quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ontem e hoje


Ainda da série Poesias da infância:


Meu mundo é de magia, agora que só as vozes dos ecos, das músicas, se elevam no silêncio.
Danço no ar, sustentada pela magia, suave como ela só.
Quando quero vou até o fim dos mares, vendo o impossível hoje em dia. E uma ventania me carrega e me ilude com sinos doces.
Ouço barulho de borbulhas, como se estivesse me afogando. Mas me afogando na magia.
Uma música alta me faz ir por um caminho tão longo, mas que se foi tão rápido. É uma pena.
Esse caminho foi lindo, e ainda é: o simples caminho para o sonho.

1986.


Não, senhores, eu não fumava maconha. Lembrem-se, eu tinha onze anos e vivia no meio do mato. Eu apenas acreditava com todas as minhas forças no sonho.

Ainda acredito nele, mas agora sinto melhor o chão que insiste em se colocar sob meus pés. E se vocês querem saber é bom senti-lo, sujar as solas com terra e poder, ao mesmo tempo, olhar para o céu.

Que todos os dias de 2009 tenham um quê de magia, aquela que nos faz lembrar porque respiramos juntos neste mundinho. A mesma que nos encanta, nos enleva e nos faz seguir nossos caminhos verdadeiros. E que também é chamada de vida, vez ou outra.

Feliz 2009, cambada!!!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Pero que las hay, las hay

Fazia tempo que ela andava sobrevoando nossas cabeças. Ela ficava lá, por cima das nuvens, taxiando, esperando uma brecha para descer em vôo livre. Muito bem. Ela, a bruxa, veio com tudo. Desceu em parafuso, exercitando seu know-how diplomado em direção perigosa. Chegou, bateu a poeira da barra da saia e estacionou o nariz enverrugado e a vassoura em algum lugar aqui perto de casa. E logo foi um tal de um interna pra cá, outro opera pra lá, outra ensaia o adeus ao mundo profano. Ho ho ho, feliz natal.
Então estava eu, ontem, encostada na murada de um hospital de Santa Teresa, ladeada por dois macaquinhos, um primo deprimido e uma Baía de Guanabara de tirar o fôlego. Enquanto eu ouvia o telegrama que a bruxa enviara, não conseguia parar de pensar em como aquela vista é bonita. Ali, naquele espelho d´água, as vassouras não passam de sombras. Elas podem até crepitar a superfície, mas o fundo do mar é feito de paz, silêncio e fé. Acontece que a gente olha só de cima, num só ângulo, e perde de vista as outras camadas.
Deve ser por isso que sou tão disciplinada no aprendizado da Shirshasana, a invertida sobre a cabeça, postura da ioga em que se fica de cabeça para baixo, literalmente. Ainda não cheguei lá, mas tenho certeza de que quando eu conseguir vai ser uma epifania só. Se bobear, vou ver até macaquinhos saltitando.
Quero mais é conseguir ver as coisas de forma diferente, mirando o nível do mar. Namastê.
Sim, e boas festas a todos. Maneirem nas castanhas.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Salvem o Jotalhão



Mamãe mexeu no meu armário. É sempre um perigo quando as mães mexem no nosso armário. Mas estou falando de um armário de quarto antigo, que visito de vez em quando sem prestar muita atenção nas recordações infantis. Eu vinha protelando a investigação desse móvel porque precisaria de dias inteiros para viajar por aquele mundo de papéis de cartas, agendas gordas de tanta colagem e cartões, cartinhas, promessas de amor eterno e bilhetinhos assim: “Marcelo, você quer casar comigo?” A pergunta vinha acompanhada de um quadradinho onde se poderia marcar um X caso a resposta fosse Sim e outro quadradinho para o Não. Embaixo deles, uma linha pontilhada guardava espaço para a assinatura do pretendente. Como posso mexer em prateleiras dessas sem tempo para parar tudo, fechar os olhos e relembrar todas as sensações que esse tempo mágico trazia?
Pois é. Então a minha mãe mexeu por mim. O objetivo era achar um caderno de poesias antigo para mostrar ao meu sobrinho, que arrisca agora seus primeiros versos. Na minha memória, a capa do caderno era do Horácio, aquele dinossauro verde. Eis que, na verdade, a capa é do Jotalhão. Ok, um elefante não tem nada a ver com um dinossauro, mas o que importa é que os dois são verdes. A minha memória é cromática, fazer o quê?
Descobri várias coisas relendo esse caderno. Uma delas é que eu escrevia até direitinho para uma pirralha de dez, onze anos, que só entrou no colégio aos seis porque queria aprender a escrever. Brincar eu podia brincar em casa, eu dizia, e corria para os meus patos, pintinhos, porquinhos da índia, coelhos. Mas descobri também que eu era uma pirralha bem atormentada. Vejamos:

Eu vi, sou testemunha.
Lá no mar, junto com a gaivota barulhenta, que sobrevoava as ondas que batiam nas pedras.
Eu vi, sou testemunha.
Um homem andava pela areia arrastando as correntes de um barco, encontrado ali não se sabe como. Gastando todos os seus esforços para consertá-lo, a fim de fugir da guerra que ali haveria.
Mas de repente um avião, mais para um furacão, acabou com tudo. E esse homem morreu junto com as suas esperanças.
E as lembranças do passado, agora, trituradas pela guerra.
Eu vi, sou testemunha.

1986.

Das duas uma: ou eu era muito angustiada ou meu irmão andava vendo muitos filmes de guerra.
Ou ainda a gente cresce e aprende a esconder debaixo do tapete as preocupações que realmente interessam.


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

CVVOT

Acho a secretária eletrônica a melhor invenção dos últimos tempos. Ela é simplesmente perfeita. Não tem mau humor, não cobra salário nem 13º, não julga seus horários e ainda por cima passa os recados direitinho, sem que você precise estudar grafologia para entender os bilhetes capengas deixados na geladeira. Como trabalho em casa e escrevendo, pra mim ela tem uma vantagem a mais: não preciso atender telefone! Aliás, há alguns anos não atendo telefone quando estou escrevendo. Os parentes e amigos já sacaram, o que faz com que volta e meia o celular em vibracall rebole na mesa.
Ah, sim, e tenho ainda mais um motivo fortíssimo para não atender telefone. Quando nos mudamos aqui para o faroeste, herdamos um número de telefone que era de uma... cooperativa de táxi! “É do táxi?” virou uma pergunta recorrente do outro lado da linha, especialmente em dias de chuva. Na época, meu sangue cidadão me impediu de pagar 70 reais para que a Telemar consertasse o seu próprio erro, o de passar um telefone comercial para uma residência. Mandei carta para o jornal e tudo, mas não teve jeito. Com as brechas das leis as empresas podem tudo, principalmente te fazer de otário. E eu não daria mais nem um centavo para aquela corja. Vip’ s Táxi, lá fomos nós. Até hoje ligam. Eu desligo praticamente na cara, o meu marido ainda tem a pachorra de dizer que não, ele não sabe o número novo da cooperativa, desculpe. Também tem aqueles que deixam recado, “Oi, eu queria pedir um táxi aqui para a rua Armando Lombardi...”. Agora pelamordedeus me digam, como pode alguém na face da terra achar que uma empresa de táxi trabalharia com uma secretária eletrônica?
Mas o fato é que hoje, quando o telefone tocou à tardinha, eu estava zen.
“Alô”. Silêncio. Esse é o pior dos prenúncios. Quando demoram para falar do outro lado e você escuta um certo clique de ligação transferida, já era. É telemarketing na certa. “Por favor, a senhora Carla?” Neste ponto eu respiro fundo e recito mentalmente alguns mantras. “É ela, quem está falando?”, pergunto logo. “É da Rede Makro de supermercados”. Caraca. Já não basta os cartões de crédito, agora também os supermercados? O que é agora, vão querer me vender carne por telefone? “Ah, tá bom, eu não estou interessada em nenhum produto, obrigada”, disse, já desligando. (Eu poderia ser bem mais antipática, queridos, vocês não viram nada.) Segundos depois, o telefone toca de novo. Ponho o fone no ouvido e ouço, numa voz sussurrante e ameaçadora: “Idiota!”. Taquicardia. Era só o que me faltava, nesse final de ano: remorsos pela vida infeliz de uma operadora de telemarketing. E se ela me rogar uma praga? E se ela tiver meu endereço e começar a me seguir, com uma carne congelada nas mãos? (Quem lê Hitchcock sabe que dá pra morrer com uma dessas na cabeça, com a vantagem da arma do crime sumir depois de um bom prato de carne assada... não é de arrepiar, crianças?). Meu Deus, o que eu faço?
Resolvi ligar para a Makro. No mínimo, para fazer uma reclamação com a gerência. Estou até agora tentando. Só dá ocupado. Quem sabe não consigo antes de 2009?
Na dúvida, fiz a resolução mais importante para o próximo ano: recuperar hábitos antigos como não atender o telefone e propor, para alguma ONG, uma espécie de CVV para operadores de telemarketing. Seria mais ou menos assim: você, que não quer ser importunado por essas ligações, se cadastraria nessa ONG. Quando você recebesse a ligação, ela seria imediatamente transferida para a Central de Valorização da Vida dos Operadores de Telemarketing, o CVVOT. Nesta central, voluntários treinados teriam toda a paciência do mundo para ouvir as queixas dos operadores e os demoverem da idéia de matarem seus clientes com grandes pedaços de carne congelada. Não seria mais feliz a vida?
Tudo de bom pra vocês também.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Escarafunchos ao sol

Foi ali, no Pepê. Depois de uma bela caminhada, entre uma mordida no pastel e um gole de água de coco. Entre um pombo atento às migalhas da mesa de madeira vazia em frente, um vendedor de bijuterias à direita, um quarteto de adolescentes emudecidas pelo tédio à esquerda, mar, areia e vôlei de praia como testemunhas. Ali, num instante, percebi o óbvio, o que costuma ser muito difícil.
Tive a certeza de que a vida é puro movimento, de que nada pára mesmo, de que estamos sempre em irritante e constante mudança. E então, por causa do filme da véspera, no qual uma das personagens era fotógrafa (sim, o filme novo do Woody Allen), lembrei do curso de fotografia que fiz na adolescência. Eu adorava as minhas fotos em PB e o conforto do escurinho do laboratório. Enquanto a foto dançava ainda diáfana no líquido mágico, a sensação era de estar trazendo o passado para o presente. Ele vinha devagar, meio borrado, e aos poucos ia se firmando no papel. Quando a imagem se revelava, estava lá, nítido, o grande lance: o momento vivido de volta, não imortal, mas vivo, o que vale muito mais. Era uma maneira de segurar a onda, de organizar o caos, de mentir para si mesmo que o tempo não é assim tão arredio, que ele se presta a uma moldura vez ou outra e que, por isso, é de certa forma controlável. Um alívio no lusco-fusco da angústia. Bobinha.
Os anos se passaram, o tempo rugiu, as imagens amarelaram e deixei a fotografia pra lá. Se vocês querem saber, hoje mal sei usar a máquina digital do meu marido. Também larguei o violão, o sapateado e qualquer outra via de manifestação artística. Escolhi o jornalismo e quase larguei o texto também, mas por algum motivo ele, o texto, foi mais forte do que eu. Foi só e tanto o que me restou. E trouxe com ele outras angústias, ui, as angústias de quem escreve e acha que não merece respirar nem mais um minuto se não emplacar logo uma obra-prima, se não encontrar um Tema, se não vislumbrar o Grande Caminho Criativo. Qual a razão de tanto trabalho, afinal, se não chegarmos lá?
Então engoli o pastel e o Grande Romance ou Coisa Parecida desceu junto. Entendi tudo. Eu, escritora de aluguel com muito orgulho, poderia também dizer que sou uma espécie de fotógrafa de textos. Eu fotografo histórias, registro seus melhores e piores momentos, revelo cenas marcantes, emolduro memórias. Elas chegam pra mim como grandes pretextos, e tudo que preciso fazer é clicá-las. E eu adoro clicá-las. É como se o tempo me desse uma colher de chá de novo. É como se o destino desse uma trégua para o arbítrio, me levasse pela mão até o laboratório e me ajudasse a pendurar, uma a uma, as fotos dos outros que também contam a minha vida, de certa forma. Acho que esse é o meu Tema, esse é o meu Grande Caminho que também poderia, facilmente, ser chamado de Caminhada no Calçadão. Tem menos glamour, eu sei, mas o que vocês queriam de alguém que cresceu praticamente no mato, andando descalça na lama e brincando com besouros e formigas?
Quando o pombo voou, as adolescentes falaram e o cara das bijuterias seguiu seu Rumo, saí do transe e prometi para mim mesma que vou caminhar mais vezes. E talvez eu também volte a sapatear qualquer dia desses.
O violão não dá. Eu era desafinada de dar dó.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sorria, tem poesia na Barra

Ex-moradora de Botafogo e ex-dependente química das flores e frutas da Cobal do Humaitá, fui daquelas que sempre falou mal da Barra. Ai que horror era atravessar o túnel, ai que medonhos os prédios, que cafonice os nomes dos shoppings etc. Quatro anos atrás, o cuspe caiu na cara. Decidi juntar as escovas de dentes e fui parar na Barra por motivos de força maior, leia-se não pagar aluguel. Para amenizar o fato eu dizia “Ah, mas é no Jardim Oceânico, que não tem nada a ver com o bairro, é quase como se a gente não morasse lá”. Eu adorava poder dizer aos amigos que, à tardinha, passava na minha rua uma carroça cheia de milho verde, bananas e aipim macio. “Tem um clima de cidade do interior, gente, é uma delícia!”. (Isso eu continuo achando, de verdade).
É verdade também que o tempo passa e as coisas mudam. Nesta segunda, aceitei o convite da Ana para freqüentar um evento do Corujão da Poesia, projeto da Universidade Salgado de Oliveira que começou há três anos na Letras & Expressões do Leblon e, recentemente, alcançou a livraria Diversos, ao lado do Balada Mix, bem aqui na Erico Veríssimo. A idéia, que vara a madrugada, é manter o microfone aberto a poetas, músicos, atores, escritores. A Ana foi uma das primeiras a ajudar o grupo, quando eles ainda precisavam de patrocínio. Hoje, projeto crescido, nem aceitam mais dinheiro, só voluntários. De lá pra cá, em parceria com ongs, escolas e outras instituições, também criaram as Bibliotecas Solidárias. Já são mais de vinte bibliotecas beneficiadas com a doação de livros novos e usados levantada pelo projeto. Nessa chegaram livros em penitenciárias, hospitais e morros como o do Alemão.
Naquele dia eu ainda não sabia que o motivo era tão nobre, só sabia que não tiraria o carro da garagem. Fui a pé até a livraria. A pé, gente, a pé. Que felicidade! Que sensação boa essa, de ter alguma vida cultural na esquina. É bela a vida na Barra, enfim. Estavam lá Raul Gazola, Nelson Freitas e outros artistas que se revezavam no palco que não era palco, recitando e cantando poetas como Drumond. João, organizador do evento, agradeceu a nossa presença falando da bela menina e, trin tron, vendeu-se mais um livrinho. Mas o que valeu mesmo foi ver o clima democrático da calçada. Qualquer um podia levantar, pegar o microfone, falar qualquer penca de frases de gosto discutível e todo mundo aplaudia, tudo pela liberdade de expressão e pela formação de leitores.
Gostei. Eu até bebi um pouquinho, mas não tive coragem de falar a minha frase predileta. Microfone na mão eu diria, para uma dúzia de espectadores confusos: “Cria o teu germe em silêncio. Eu também estou mudo e aguardo.” Ué, o que posso fazer se as esquisitices da Hilda Hist grudam em mim? Qualquer dia visto uma peruca, um chapéu, óculos escuros, bebo mais algumas taças e boto isso pra fora. É profundo, crianças, é profundo.

http://www.corujaodapoesiaedamusica.blogspot.com/

E agora é sério (mentira, antes também era):

Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.
Por que te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra ariana

Não essa que te louva

A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
É que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente

E por isso talvez
Te aborreças de mim.

Hilda Hist

“Ode descontínua e remota para flauta e eboé. De Ariana para Dionísio”, parte IV, in Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. São Paulo: Globo, 2003.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Vou ali e já volto

Por motivos de força maior não atualizei esse visitadíssimo blog nessa semana. Os motivos de força maior foram:

1) A notícia de que meu pai vai ter que fazer mais uma cirurgia chata.
2) Envolvimento com novo projeto que ainda é top secret mas não é oficial mas é tudo de bom e ai que chato não poder falar disso.
3) Textos pedidos de última hora por amigos que valem o esforço. Texto, aliás, trocado por uma consulta esotérica. Escambo da melhor qualidade.
4) Almoço de trabalho em pleno feriado para outro projeto que tem tudo para ganhar o maior ibope mas depende ainda de patrocínio (já viram esse filme?)
5) Prova do Detran que me lembrou o trauma de não ter passado na prova teórica da primeira vez, quando eu tinha 18 anos. Sim, crianças, tenho essa mancha no currículo: jamais fiquei de recuperação nem prova final mas não passei de prima na prova do Detran!!!. O que me fez estudar a cartilha obsessivamente e fazer os simulados na Internet da mesma maneira e ter uma leve sensação de que eu jamais conseguiria renovar a minha carteira. A boa notícia é que dessa vez... passei! Yes! Detran, tremei!

É isso, meninos. De vez em quando as blogueiras também brocham. Se cuidem.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Luxo III (já vai acabar)

“Como dizia Simmel, a moda sempre une gosto pela imitação e gosto pela mudança, conformismo e individualismo, aspiração a fundir-se no grupo social e desejo de diferenciar-se dele, ainda que por pequenos detalhes. Se a moda não existiu sempre, é que exigia como condição de aparecimento uma certa liberação da individualidade, a depreciação do anonimato, a preocupação com a personalidade, o reconhecimento do “direito” de valorizar-se, de fazer-se notar, de singularizar-se. No fim da segunda Idade Média, precisamente, vem à luz um conjunto de fenômenos que ilustram essa afirmação de individualidade nas classes superiores. Relembremos apenas o surgimento da autobiografia, do retrato e do auto-retrato, a paixão pela glória, os testamentos e sepulturas personalizados. A moda é outra manifestação dessa preocupação com a particularidade do indivíduo, quaisquer que sejam os movimentos miméticos que aí se manifestem. Novo grande dispositivo do luxo, a moda deriva menos do consumo ostentatório e das mudanças econômicas do que das transformações do imaginário cultural.” [1]

[1] In Lipovetsky, Gilles; Roux, Eliette. O luxo eterno. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003, p. 41


Gente, o que eu posso fazer se me interessei pelo luxo? Já nem sei se o projeto à vista vai sair, mas enquanto isso a gente vai se divertindo. Ou ao menos tenta, que é para fazer a cabeça zunir um pouquinho menos. O mais difícil de ser freela é segurar a onda nos intervalos. Entre um projeto e outro a gente tem um mundo e meio de coisas para resolver, mas o mais difícil é amarrar a ansiedade. Daí eu me lembro de que o medo está no futuro. Logo, não pode existir no corpo, único que fica sempre no aqui e agora. Lembrem-se, queridos, eu sou praticamente uma yogui. Mas e para ele, o corpitcho, entender isso? Os meus ombros não parecem estar nem aí, mas nem tchum mesmo, para tão bela filosofia. Ó vida. Om, crianças, om que melhora.
Só mais um encontro, unzinho só, e a gente termina esse glamour todo intelectual. Longa vida ao Lipovetsky.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Luxo II

Continuando, que o luxo urge. Como estava dizendo, da Renascença em diante o luxo toma o caminho da cultura. De instrumento mágico que facilitava o acesso à vida eterna ele se torna sonho, “o que embeleza o cenário da vida, a perfeição tornada coisa pelo gênio humano”, conta Lipovetsky. Surge um vínculo sensual entre o homem e os objetos preciosos. As coisas passam a ser amadas por si mesmas. É o luxo como resposta ao desejo de gozar o mundo.
A partir do século XIV, as antiguidades passam a disputar espaço com a moda, invenção social histórica do Ocidente. O gosto por tudo que é antigo convive lado a lado com a febre do novo, a paixão pelo presente. Em breve, vigoraria a conhecida máxima de que tudo que é novo é bom, inaugurando uma época em que o presente é recheado de futuro.
Desde o fim da Idade Média, na verdade, reina o gosto pela renovação, onde a transformação costuma ter sempre mais valor do que a continuidade. Orquestrada pela moda, esta dinâmica inclui a compra de cada vez mais bens de consumo eternamente renovados, reciclados, recriados. A moda, hoje, se confunde com o luxo. “Moda, luxo e elegância formam uma tríade capaz de se sustentar por tempo indefinido”, arrisca o filósofo.
Não percam, no próximo capítulo, o que Lipovetsky fala sobre o prestígio da grife e a magia da marca. Mais um encontro e terminamos o nosso brevíssimo seminário sobre o luxo. O projeto à vista não tem mais nada a ver com luxo, nem com moda. Está mais para saúde e estilo de vida. Mas não se preocupem. Não haverá seminário algum sobre nenhum dos dois assuntos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um luxo




“O último dos mendigos tem sempre um nadinha de supérfluo! Limitai a natureza às necessidades naturais e o homem se torna um animal”
Shakespeare



Projeto novo à vista, ando procurando inspirações na idéia do luxo. O luxo como estilo de vida, como roupagem dos sentidos, sempre me interessou. Não porque eu queira, pessoalmente, me entregar a ele. Zero tesão pra isso. Não dou a mínima para hábitos seletos ou coisas grifadas e, na verdade, nunca entendi muito bem como funciona esse mundinho. Então fui estudá-lo. E há um tempo encontrei no livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky um belo caminho das pedras. O luxo eterno, escrito em parceria com Elyette Roux, é um excelente atalho para quem quer passear pela história social do luxo – ou do que entende-se por ele. Fica até mais fácil, acreditem, entender o fetiche que uma bolsa Louis Vuitton carrega a tiracolo. Só entender, é claro.
A trajetória do luxo, explica com propriedade Lipovetsky, vai da transcendência ao prazer íntimo. Os bens de luxo estiveram na origem não apenas dos objetos de prestígio, mas também das maneiras de estabelecer um contrato com os espíritos e os deuses. O luxo não nasceu mecanicamente de um excedente de riquezas e de progressos tecnológicos na fabricação dos objetos. Ele demandou um modo de pensamento do tipo religioso, um cosmo metafísico e mágico.
Que tal? Isso nos leva a entender que o luxo é mais antigo do que a própria civilização. Antes mesmo da existência da tecelagem ou da metalurgia, os homens de antes do neolítico já queriam algo mais do que simplesmente não morrer de fome e de frio. O luxo e o desperdício, unidos intrinsecamente em suas origens, já estavam ligados ao espírito e à transcendência, valores até hoje não estranhos a certos signos luxuosos. É como se uma Vuitton fosse o passaporte para o reino mágico dos bem-aventurados e, ao mesmo tempo, o próprio cartão de embarque. É tiro e queda, não tem erro: com ela você entra, recebe um colar de boas-vindas e fica por lá. Ao menos até o lançamento da próxima coleção.
Na humanidade primitiva, o luxo não se distinguia dos outros fenômenos sociais e religiosos. Dotados de força protetora, garantias de riqueza, princípios religiosos de abundância, de sorte e de posição, os objetos de cobre dos índios do noroeste americano, por exemplo, tornavam invencíveis os chefes que os possuíam. Eles, os objetos, tinham vida e, por isso, exigiam ser doados ou destruídos.
Da Renascença em diante, o luxo toma o caminho da cultura. Mas isso é papo para outro post. Não percam, portanto, o mini micro seminário sobre o luxo que acaba de ser criado nesse instante. Os melhores perfumes estão nos menores frascos Chanel, queridos.

Lipovetsky, Gilles; Roux, Elyette. O luxo eterno: da idade do sagrados ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Literal e liberal

Em priscas eras, quando eu terminava de escrever a minha dissertação de mestrado, pensei num capítulo voltado para o futuro da entrevista jornalística na Internet. Onde ela estaria? Primeiro imaginei que as coisas não mudariam tanto assim, na verdade quase nada, ficaríamos apenas com outro formato mas com o mesmo conteúdo. Por essa levei logo um pito da Heloisa Buarque, minha orientadora. Enquanto me fazia comer uma fatia de bolo (orientandos costumam ser pálidos e raquíticos), me disse que eu estava sendo reducionista. Que eu abrisse meus horizontes e mudasse de abordagem porque aquela era muito chata, coisa de gente com cabelos brancos. Antes que eu terminasse de mastigar o bolo e aquele sacode, deu o assunto por encerrado.
Então li outras coisas, pensei melhor, comi outras fatias de bolo e imaginei que, em algum momento, fosse possível escrever junto. Escrever, na rede, a incontáveis mãos. Escrever seria um processo em eterna edição, e uma entrevista seria uma conversa sem ponto final. Não existiria, então, nada mais democrático do que um texto. Um texto coletivo, colaborativo, interativo.
Pois bem. Menos de dez anos e dois fios brancos na franja depois, isso existe. E se chama Portal Literal. E de quem é a curadoria? Da Heloisa, é claro. A nova versão do Literal, o Portal Literal 2.0 (http://www.literal.com.br/ ), foi elaborada com software livre e utiliza o modelo de contribuições abertas da Wikipedia, oferecendo livre acesso e participação a todos os usuários cadastrados. O fluxo de colaborações passa por um sistema de ordenação por votos e critério de relevância. As mais votadas entram no site em destaque, e as não votadas ficam guardadas (e acessíveis) nos perfis dos seus autores. O Portal é, ao mesmo tempo, um Banco de Cultura e uma comunidade on line que produz e debate literatura, publica e cria coletivamente seu conteúdo. Um lugar sem hierarquias entre escritores, editores e leitores.
As minhas preces foram atendidas. Tenho menos vergonha do último capítulo da minha dissertação. Já me registrei no Portal. Falta só comer um bolo inteiro, pintar os fios brancos e mandar brasa (aqui aceito sugestões para uma expressão mais muderninha... sorry, crianças, são os cabelos brancos falando por mim).

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O primeiro workshop a gente nunca esquece


Nesse sábado de sol e céu azulzinho que passou, dei o meu primeiro workshop. O título, muito metido, era O escritor e o mercado editorial e a idéia era mostrar um pouco do que é possível fazer nesse nicho tão esquisito, quer dizer, específico. Falei sobre a minha experiência com preparação, estabelecimento, criação e edição de texto, ghost e outras coisinhas mais como biografias e obras de auto-ajuda que chegam até você assim no susto, do nada. Também comentei a mão na roda que é emprestar algumas ferramentas da psicologia na coleta de depoimentos. Falamos de terapia narrativa e, claro, da bela menina. Fizemos exercícios, vimos trechos de filmes, concordamos sobre a importância de fazer contratos e se profissionalizar ao máximo nessa seara tão cheia de freelancers desprevenidos. Levei e distribuí uma pequena pilha de trabalhos meus. Saíram de lá cheios de papéis e, pelo que pude perceber depois, de idéias. Uma das alunas, a Beth, criou um blog lindo e profundo depois da minha insistência em fazê-los botar a boca no trombone. O resultado está em http://ninhodarouxinol.blogspot.com/
Os outros dois alunos (sim, eram só três, mas o que vocês queriam? Era a minha primeira vez!) já tinham blog e, descolados, pareceram interessados na coisa toda. Bom, ao menos foi a impressão que me deu. Ana, a outra aluna, tradutora e revisora (http://ideiaselivros.zip.net/ ), ficou de divulgar o curso. Daniel, jornalista recém-formado (http://www.dribas.blogspot.com/ ), me pediu uma entrevista. Então acho que a coisa deu certo, não, cambada? Assim espero. E tudo graças à paciência de Suzana Vargas, que me deu um segundo voto de confiança. Da primeira vez, tempos atrás, assim que a turma ficou enche-não-enche, amarelei. Dei pra trás. Saltei fora. Corri de medo. E tive a certeza de que ela nunca mais ia me procurar, é claro. Por sorte eu estava errada.
O curso, de mais de cinco horas (cinco horas e ainda sobrou assunto!) aconteceu no simpático espaço criado pela Suzana,o Estação das Letras, no Flamengo, que agora também tem uma ótima livraria, a Literárea. É aquele tipo de livraria que te poupa tempo porque tudo que pára em pé nas prateleiras vale a pena. A seleção, especializada em literatura e na lida do escritor, é coisa fina. Façam um visita e espiem também os vários outros cursos da casa, com professores bem mais experientes do que euzinha: http://www.estacaodasletras.com.br/.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ando meio... desligado


Sempre fui desligada, e não morri atropelada até hoje por pura obra divina. De vez em quando eu simplesmente saio de sintonia, mudo o dial, troco de canal. É difícil, às vezes. Nem todo mundo entende. Tá no mundo da lua?, dizem essas pessoas que não entendem. Elas também costumam perguntar se estou pensando na morte da bezerra. Sempre achei engraçado, isso. Sim, coitada da bezerra, estou pensando nela. Morreu de quê, hein, gente?

Não me incomoda ser desligada porque é feio ou não é de “bom tom” ou qualquer coisa parecida. Incomoda por ser um sintoma. Sinal de que o mundinho interior está gritando e pedindo para eu grudar nele. Como quase nunca (e cada vez menos) obedeço, ele prega peças: puxa o tapete do outro mundo, o maior, à primeira oportunidade que lhe aparece. É uma maneira de dizer: tá vendo como esse lado daí é sem graça? É mais desengonçado do que você e, mais do que tudo, desencontrado (não encontra comigo).
Preciso de tempo para o mundinho. É nele que respiro. O mundo de lá me exige (mais uma vez) ser coerente, sensata, razoável, civilizada. Mas ai que é difícil isso de colocar os pés no chão. Quando eles pisam de novo na calçada é como se estivesse tatuado nas solas: poesia.



quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Geografia da Felicidade

Não é ótimo esse título? Não, é claro que não é meu. Apesar de ter bolado A bela menina do cachorrinho, que resistiu a incontáveis reuniões editoriais durante meses (e até hoje, numa ironia do destino, faz a Ana torcer o nariz), fazer títulos não é o meu forte.
Mas o que importa é que acabei mais um copi para a Ediouro, e o título do livro é esse aí de cima. O original em inglês é The Geography of Bliss, esta última uma palavrinha mágica de difícil tradução. Na verdade, é mais do que felicidade, é contentamento, é uma euforia tranqüila, uma unção de alegria. Mas ninguém faria um título assim, A geografia do contentamento, da euforia tranqüila, da... vocês entenderam.
O livro, do jornalista americano Eric Weiner, vai dar o que falar. Correspondente da NPR, uma das maiores rádios dos EUA, Eric estava acostumado a cobrir guerras e catástrofes mundiais. Daí ficou deprimido com isso e resolver viajar o mundo em busca, agora, da felicidade. Mas não saiu como um andarilho hippie, nem um hare hare sem outros planos que não vender uns incensos aqui e ali. Eric tinha um mapa. Um mapa científico da felicidade, baseado no banco mundial de dados da psicologia positiva, aquela que estuda o “bem-estar subjetivo” com o mesmo afinco com que Freud e seus seguidores estudaram a depressão. Segundo esses pesquisadores, liderados pelo sociólogo e professor holandês Ruut Veenhoven, os países mais felizes do mundo são Islândia, Suíça, Holanda e Dinamarca. Não me perguntem porque. Nem ao Eric. O método para essas conclusões também é subjetivo. Eles simplesmente perguntam às pessoas que nota elas dariam para a sua própria felicidade, levando em conta suas condições de vida. De 1 a 10, o quanto você é feliz?
Eric mudou um pouco o mapa e foi para a Holanda, Suíça, Butão (onde o governo criou o índice de Felicidade Nacional Bruta), Catar, Islândia, Moldávia (o país mais triste do mundo), Tailândia e Inglaterra. Chegou a algumas conclusões:

“O dinheiro conta, mas menos do que imaginamos e não da maneira como imaginamos. A família é importante. Assim como os amigos. A inveja é tóxica. Assim como pensar excessivamente. Praias são opcionais. Confiança não. Nem gratidão.”

Não é nenhuma descoberta da pólvora, mas é que existem vários caminhos para a felicidade:

“Os suíços são tensos e felizes. Os tailandeses são relaxados e felizes. Os islandeses encontram alegria em suas bebedeiras, os moldávios apenas sofrimento. Talvez uma mente indiana consiga digerir essas contradições, mas a minha não consegue.”

Nem a minha. Mas o livro é melhor do que isso, interessante de verdade e muito divertido. É daqueles em que você viaja junto. Em breve.

Uma vida inteira de felicidade! Nenhum homem poderia suportar isso: Seria o inferno na Terra.”
George Bernard Shaw

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sem Jabuti

E a arquibancada suspira, desolada, aaaaahn. Cabisbaixos, os torcedores enrolam suas bandeiras e tomam o rumo de casa. Naninha, meninos, não foi dessa vez. Ainda não tenho um Jabuti na estante. Mas ele mandou lembranças e é o que vale. E me disseram para tomar champanhe mesmo assim, então é isso, está tudo combinado. Continua valendo o brinde e ano que vem tem mais. Champanhe é pra toda hora, bobinhos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Com ou sem Jabuti

É amanhã, queridos. Às 14h, na sede da Câmara Brasileira do Livro, em Sampa. É lá que serão anunciados os vencedores de todas as dez categorias do Jabuti. Se eu ganhar, vou comemorar com, pouc, champanhe. Se não rolar, tudo bem. Já estive bem feliz até aqui. De qualquer forma, torçam por mim!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Café Destino

Sujeitinho vagabundo
Metido a besta
Perdido na vida, no mundãodedeus
Se acha sabedor de coisas
tantíssimas
Mas no fundo
não enxerga no claro
e por isso prega o escuro
Dever ser duro ser
Destino.

Ontem fui ao cinema, no UCI do NYCC, aquele templo das siglas americanas na Miami brasileira. Lá abriu um café novo, com cara de café de aeroporto, que é para combinar com todo o complexto de salas de cinema. O nome: Destino. Gostei. Tem um ar misterioso, tipo Mullholand Drive. Mas não, não foi inspirada no café que escrevi a poebagem (poema com bobagem) aí de cima. Ela já existia. Uaaau...será o destino?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Por trás da entrevista (e do Jabuti)


A história desse livro começou há dez anos. Os livros são assim, crianças, eles têm vida longa. Eu estava recém-formada, tinha 23 anos e ingressava no mestrado da UFRJ. Comunicação e cultura. Escola de comunicação. ECO, para os íntimos. Era um grande salto. O projeto era continuar remexendo na monografia feita na graduação, já voltada para a entrevista jornalística. Procurei por livros de pesquisa relacionados ao tema como quem procura agulha num palheiro. Da primeira vez que entrei na biblioteca levei pra casa alguns milhares de fungos de mofo que detonaram a última grande crise de asma de todos os tempos. Eram tempos difíceis, aqueles.
Até que escolhi minha orientadora. Eu era sua aluna em um dos cursos cujo nome nunca vou me lembrar (Tópicos culturais da pós-modernidade ou coisa parecida... todos os nomes, pra mim, eram muito parecidos, todos queriam dizer algo muito complexo, hermético e cheio de entrelinhas, algo como “volte pra casa, pirralha, isso aqui não é pra você”). Mas, uau, essa professora falava português! E eu não precisava, durante a aula, anotar as palavras que não entendia para procurá-las depois no dicionário, recurso absolutamente fundamental nas aulas de análise de discurso, por exemplo. Eu mal podia acreditar. Finalmente um ser humano inteligível na minha seara.
Segurei nela como uma criança se pendura na barra da saia da mãe. Era ela, Heloisa Buarque de Hollanda, quem me acompanharia pacientemente por mais de um ano de lenga-lengas típicas de orientandos, provavelmente as criaturas mais chatas do universo. Inseguros, carentes, indecisos, sempre à beira de um colapso, um surto ou um suicídio. Eu não cheguei a ser isso tudo e até recebi elogios pelo meu suposto auto-controle, mas devo ter enchido um pouco o saquinho. Bom, ao menos eu já quase não me agüentava. Então eis que, quando surjo com a idéia de entrevistar entrevistadores como uma saída para driblar a rarefeita teoria e pesquisa encontrada sobre o assunto, a orientadora revela sua outra personalidade, a de editora, e me diz ótimo, siga em frente. “Mas faz pensando em um livro”.
Foi essa a benção. Está aí. Suas palavras pegam. É como promessa de mãe, como uma sentença do bem, como uma reza forte. “Vou fazer até novena pra você ganhar”, estava escrito no email que respondia a notícia da indicação ao Jabuti. Depois dessa, estou levando a maior fé.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Foi mal, Gagu!

Eu sabia que era um convite perigoso. Aniversário da Ana, com direito a participação de um grupo Hare Krishna e a presença de alguns personagens do livro, era de dar um friozinho na espinha. Primeiro por solidariedade ao meu marido que, tímido que só, ficou em cólicas só de pensar no risco de ter que sentar no chão de pernas cruzadas, descalço, e entoar hare hare hare rama. Mas ele foi corajoso e eu também. Encaramos.
A noite estava fria e linda, as velas enfeitavam a piscina e o clima todo era de uma Índia que talvez só exista nos nossos desejos. Próspera, com cheiro de incenso, animada e saudável toda vida. Um showzinho de um grupo Hare Krishna rolava ao fundo, com ótimo instrumental (tinha até violino!), tranqüilo, e não lembro de ter visto ninguém descalço. Relaxei. O meu marido também. Fui sendo apresentada aqui e ali como a autora do livro e estava adorando a oportunidade de conversar com aquelas pessoas todas que povoaram tanto a minha cabeça, por tanto tempo, antes mesmo de eu as conhecer.
Até que chegou o Gagu, que no livro chamamos de Gagoo. Eu já tinha sido avisada pela anfitriã: “O Gagu já brigou comigo algumas vezes, não gostou do que falamos sobre ele no livro”. Puxei pela memória e relembramos, juntas, as passagens em que ele participa da história. Pô, ele é até elogiado! É ele aquele cara espirituoso, praticante de ioga, que não falava mal de ninguém e tomava um suco de clorofila antes de cheirar. Ops. A mãe dele pode não ter gostado disso. Quando o vi, congelei. Apesar de todo o tom de brincadeira que envolvia as queixas, fiquei realmente apreensiva. Sei lá, gente. E se ele resolvesse partir pra cima da magrinha aqui? O cara era grande! Fiquei na minha, sentadinha num pufe, compenetradíssima no meu prato de comida indiana. Quando ele sentou do meu lado, ainda tentei por alguns minutos fingir que nada tinha acontecido. Mas não teve jeito e por um nada não engasguei com o arroz de lentinhas. Levei um pito de leve e ainda tremi por dentro por alguns segundos. Mas acontece que o Gagu, lembrem-se, é espiritualizado. E logo estávamos conversando sobre Santo Daime, clorofila e a temporada dele no Havaí, e não sou boba de contar mais uma palavra que tenha saído da sua boca.
O que importa é que Gagu é do bem. Assim como todos os outros personagens que estavam naquela noite, adotados ou não pelo livro, comungando do mesmo carinho que tenho pela aniversariante de ontem. Quer dizer, o aniversário oficial é hoje, mas isso é só porque a mãe dela não gostava do mês de agosto e pulou um dia na hora de registrá-la. O que é a cara da família. Pela primeira vez na vida, ela comemorou no dia certo. Mais um avanço. Depois do bolo, a noite acabou leve, feliz e com uma certeza: é arriscado escrever no Brasil, mas vale a pena. Parabéns, Ana!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Jabuti

Eu sou uma finalista do prêmio Jabuti! Eu sou uma finalista do prêmio Jabuti! Eu sou... ok, vocês já entenderam. Soube hoje e estou felizinha. A indicação é pelo livro Por trás da Entrevista (Record), que concorre na categoria Reportagem. Foram mais de dois mil inscritos, cambada! Na semana que vem conto toda a história desse livro. Não percam.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Deus e a bela menina


Quando tudo parecia silencioso no front e eu não esperava ver mais nada publicado sobre A bela menina, eis que me cai nas mãos o texto mais debruçado ao livro que já vi até hoje. Num belo ensaio de quatro páginas da Oralidades, revista de história oral da USP, Ricardo Santhiago traça uma acurada análise sobre o livro, com direito a reflexões que eu mesma, até então, só havia feito de maneira intuitiva, em algum canto ininteligível do meu cérebro. Ninguém, até hoje, havia explicado tão bem o meu trabalho. Fiquei surpresa. Meu trabalho é bem legal, gente!
Vejamos. Santhiago, que é jornalista, pesquisador, produtor cultural e editor da revista, identificou no livro um comprometimento com o alerta e com a transformação social. É também fonte de alívio pessoal para quem conta a história, para quem passou por muitas provações e, por isso, tem o dever de relatá-las para que elas não se repitam. Com, isso, fica claro pra mim que já cumpri grande parte das minhas boas ações do ano.
Mas tem mais, e preciso aqui transcrever o trecho: “(...) dado o volume presumível de gravações, as tarefas de textualização e organização se complicam e exigem o empenho de um autor responsável e criativo, interposto entre a oralidade e a escrita a fim de garantir a esta não apenas entendimento, mas atração e encanto. O texto de Carla faz isso. Além de convencer como letra impressa, seduz.”
Que tal? Logo depois ele escreve que tropecei em alguns pronomes possessivos mas, well, well, os escritores são assim, revolucionários e voluntariosos, capazes até de bater o pé com o revisor algumas vezes.
Santhiago lamenta que as relações entre entrevistado e entrevistadora, as situações de narração e as soluções da escrita não tenham sido reveladas numa introdução. De fato, elas ficaram de fora do livro, mas estão num artigo que pode ser lido em www.terapianarrativa.com.br/artigos.html . Isso é novidade, queridos.
E para o final do ensaio, o jornalista reserva uma análise curiosa:
“(...) não é à toa que o testemunho autobiográfico, literário, jornalístico e religioso sejam um só. Na busca de uma vida normal e segura, testemunhar é artifício natural para quem tem no desabafo o símbolo da vitória e de outra história que ‘não tem a palavra droga a cada cinco páginas’”.
Não, vocês não leram errado. Ele quis dizer religioso, mesmo, “testemunho religioso”. Segundo ele, Deus e religião aparecem como explicações para toda a construção narrativa. É a Ana freqüentando a Igreja Universal, espaço mais seguro do que o NA, e seus pedidos sendo atendidos com a chegada do Gustavo, seu “salvador gentil”.
Engraçado, não havia percebido que a fé estava tão aparente nas últimas páginas. De fato ela existe na vida real, à sua maneira, mas no livro me parecia estar disfarçada por trás de um humor sempre ácido e algo inglês, coisa talvez de quem experimentou em Londres a chance de ver a vida sob outra perspectiva.
Se Deus e religião fecham o livro eu não sei, mas acabo de saber uma coisa. Essa história que caiu no meu colo e outras que andam chegando estão longe de ser um karma. Estão mais para uma cortesia do cara lá de cima. Amém. Poupem o sal grosso.

A Revista Oralidades pode ser adquirida pela Internet, no site http://www.oralidades.com.br/ A edição de que falamos é a Nº 3 – Jan-Jun/2008.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Karma?

Aconteceu de novo. Foi a quarta vez. Bom, tudo começou com a Ana, mas aí podemos chamar de coincidência. Como vocês seis já estão enjoados de saber, na época a gente se esbarrava no mesmo consultório. Então veio A bela menina e toda aquela montanha russa de histórias ligadas ao uso de drogas como um meio de aplacar a dor da alma, aquela que dói quando a gente suspira e pensa na vida. Alguns meses depois do lançamento do livro, uma mulher de São Paulo entrou em contato comigo, por email. Queria contar a história dela. Caía naquela categoria de mulheres que amam demais, sofrem a vida inteira e, aos poucos, conseguem recuperar seus caquinhos. Fiquei interessada, trocamos vários emails mas acabei desistindo porque não acredito em entrevistas à distância. É como um namoro por correspondência: simplesmente não dá certo. Bom, pelo menos comigo nunca deu.
Antes disso, outra pessoa, dessa vez um homem, já havia pedido os meus contatos na editora. Esse tem uma história insólita, daquelas que num dia a pessoa tem tudo do bom e do melhor e do poder e no outro não resta nada além de uma sensação estranha de que tudo não passou de um sonho esquisito, alcoolizado e drogadito. Fiquei interessadíssima, conversamos (desta vez ao vivo) e encaminhei o caso para o meu marido, que é roteirista e já tem até parte da escaleta do filme na cabeça. Combinamos que vou pegar o bonde um pouco mais tarde, em outra esquina, quando as entrevistas já estiverem mais adiantadas.
Na semana passada, me ligou um amigo da Ana Karina. Disse que a história dela é fichinha perto da dele, ou essa foi a minha interpretação das entrelinhas. Acertamos de conversar em setembro, depois de terminado o livro do Nós do Morro.
Mas agora eu me pergunto: gente, será um karma escrever histórias tão pesadas? Sei que ajudo de verdade os meus, digamos, personagens. Mas porque será que tanta coisa carregada anda chegando por aqui? Será coincidência ou eu tenho uma missão nesse estranho mundinho? Preciso de um banho de sal grosso ou simplesmente sentar a bunda e escrever sobre isso tudo até que isso tudo ganhe outro significado além da dor? Ser ou não ser, eis a questão. Opinem, por favor. Também aceito conselhos, rezas e simpatias.

domingo, 10 de agosto de 2008

O que cai do céu é chuva

Está difícil, cambada. Trabalhei o final de semana inteiro e não pude nem subir a serra para passar o dia dos pais com papi. Mas valeu a pena. Estive selecionando os melhores momentos de todas as entrevistas que fizemos para o livro do Nós do Morro. Entre as cerca de 300 páginas de depoimentos, alguns trechos são memoráveis. Como as lições da Mary Sheyla, que entrou para o Grupo aos sete anos, quando o Guti nem trabalhava ainda com crianças. Mary já era tinhosa e o venceu pelo cansaço.
Um dos nomes mais conhecidos do Nós do Morro, Mary Sheyla foi a primeira criança a ingressar no Grupo. De cara, já em 1999, despontou no longa Orfeu, de Cacá Diegues, e no seriado Cidade dos Homens, de Fernando Meirelles e Regina Casé; dividiu palco com Luana Piovani nas peças A.M.I.G.A.S. e Alice no País das Maravilhas, e ainda recebeu papel de destaque na série global Laranjinha e Acerola. Melhor Atriz no Festival de Cinema Brasileiro de Miami de 2002, com o curta-metragem A breve história de Cândido Sampaio, de Pedro Carvana (2001), a atriz se orgulha de exibir uma jornada vitoriosa dentro da cena artística nacional: nunca teve outro emprego. É com a vida atravessada pela arte, atuando sem parar no cinema e na TV, que ela paga as suas contas e ajuda a família. Em 2006, ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no 34º Festival de Gramado, pelo longa Anjos do Sol, de Rudi Lagemann.
Então, em homenagem a todos nós, trabalhadores do Brasil, alguns dos melhores momentos da sua entrevista:

Trabalho
O Nós do Morro me ensinou que nada cai do céu, o que cai do céu é chuva. E até pra Deus te abençoar, você tem que fazer a sua parte. Eu demorei muito a ter oportunidade, eu comecei no Nós do Morro com 7 anos e tive a minha primeira oportunidade aos 18. Durante esse tempo todo eu só estudava, fazia os espetáculos, tinha uma responsabilidade grande com meus horários e já acreditava na filosofia multiplicadora. Por isso hoje eu chego no mercado tranqüilamente, não tenho medo de nada, estou pronta pra qualquer parada, porque eu sei o que passei. E eu tenho para onde correr também, eu tenho a minha casa aqui. Então não tem aquele desespero que outros atores têm, que quando acaba uma novela bate aquela dor de cabeça, aquela preocupação. Que nada, estou tranqüila, tenho minha casa aqui, eu sei que coisa boa está vindo por aí.

O Vidigal
Eu não largo isso aqui por nada, eu sou apaixonada por esse lugar, eu não sei o que o Vidigal tem que me fascina, o Vidigal me fascina. Não sei se é a energia, talvez seja até pelo Nós do Morro, pela minha família. Sou apaixonada por esse lugar.

Oportunidade
Quando eu era criança sempre vi os outros tendo oportunidade, todo mundo passando na frente e eu nada, e a minha mãe sempre falava: “Calma, filha, sua hora vai chegar e não vai ter pra ninguém”. Eu achava que era coisa de mãe. Mas chegou mesmo. Eu tenho a sensação do dever cumprido, não tenho a sensação de deixar nada a dever pra ninguém, porque eu lutei muito pra estar aqui onde estou, paguei um preço. E é um barato você ser um referencial, hoje em dia as crianças aqui da comunidade têm um referencial, coisa que eu não tive. Que bom que eu trabalhei pra isso, pra ser um referencial pra elas.

Preconceitos
Olha, a gente não pode falar que é tudo bem porque não é, talvez a sociedade não esteja pronta pra lidar com as diferenças, pra lidar com a minoria mas, ao mesmo tempo, ela é obrigada a nos aturar, a nos engolir, porque eu sou talentosa, tenho consciência do que eu sou na sociedade, do espaço que eu ocupo e eu não estou lá de bobeira, não estou lá à toa e nem por acaso.

domingo, 3 de agosto de 2008

PPP

Vocês já sabem do Cabeleira, HQ (ou graphic novel, que é mais chique) lançado pelo senhor meu marido, Leandro Assis, e Hiroshi Maeda. Está fazendo o maior sucesso como “uma das melhores HQs dos últimos tempos” e outros adjetivos elogiosos. Legal, né? Dá o maior orgulho.
O problema é que, animado com a repercussão e a crítica positiva do livro lançado pela Desiderata, os dois resolveram apostar em projetos novos e, digamos, um tanto ousados. A próxima história em quadrinhos será sobre... garotas de programa! E não adianta, para a nobre nação, explicar que é tudo feito em cima de pesquisas que não são aquelas de campo, mas sim as de internet mesmo, newsgroups, blog de Bruna Surfistinha e outras andanças na rede pela madrugada. Quem é que acredita? Eu mesma não acreditaria.
E aí, então, cambada, como fica a minha reputação? Um ano de casada e já preciso ser indenizada por danos morais? É duro, crianças. Nunca imaginei que pudesse ser tão perigoso casar com um roteirista fã de quadrinhos e pesquisas bizarras... Sogrinha, posso devolver a entrega?
Mas tudo bem, vai ter revanche. Ainda não sei como, mas estou aqui tramando... Minha vingança será malígrina! Aceito sugestões, meninas!
Enquanto isso, polêmicas à parte, não deixem de visitar o blog dos meninos, que é bem bacana: http://roteiristas.wordpress.com/ Estão lá todos os PPP, ou Papo Padrão de Puta. Ai, meus sais...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Confuso não, Confúcio

Bem, existe vida além da bela menina, do Nós do Morro e da velhice (ops, aí já não tenho tanta certeza...). Depois de copidescar o livro que em breve será lançado com o título A Ciência da Longevidade, peguei mais um trabalhinho para a Ediouro. Fiz isso porque meus neurônios já devem estar comprometidos com a idade e não ando batendo muito bem das bolas. Afinal de contas estou na reta final de edição do livro do Nós do Morro, e tudo que eu não poderia fazer agora era pegar mais um freela. Mas vocês sabem como é. Parte de mim não consegue dizer não, parte pensa na conta bancária claudicante, a outra parte quer mesmo é mudar de assunto e pensar em outras coisas por um tempinho. Acho que isso acontece com todo mundo que lida com muita pesquisa e projetos de longo prazo. Gente, tem uma hora que cansa! Daí você topa pensar em qualquer outro tema. Com alguma sorte, esse novo tema pode ser até interessante.
Muito bem. Estou então agora me dedicando às sábias palavras de Confúcio. Confúcio, como vocês sabem, é o maior filósofo da história chinesa, e também um dos mais estudados na história da civilização. Nasceu em 550 a.C. e, em vida, não conseguiu que seus pontos de vista fossem levados muito a sério. Mas seu guia de valores morais e conduta social seriam bem úteis nesses nossos tempos tão difíceis. Ele defendia cinco qualidades básicas: benevolência, probidade, decoro, sabedoria e honestidade. Isso tudo não viria bem a calhar aqui em Bruzunganda?
Mais do grande Confúcio pra vocês, sumidos leitores:

SE ALGUÉM NÃO ESTUDA QUANDO É CRIANÇA, NÃO TERÁ NENHUMA UTILIDADE QUANDO CRESCER.

PARA SER CAPAZ, A PESSOA DEVE TER ESTUDO; PARA SER INTELECTUAL, DEVE APRENDER DOS OUTROS.

QUANDO UMA PESSOA É DESATENTA, ELA NÃO PODE VER COM OS OLHOS ABERTOS, NÃO PODE OUVIR COM OS OUVIDOS, NEM SEQUER SENTIR SABOR ENQUANTO ESTÁ COMENDO.

AQUILO QUE É MAIS CRÍVEL É O QUE SE VÊ, MAS VOCÊ NEM SEMPRE PODE CONFIAR NOS SEUS OLHOS. O QUE É MAIS CONFIÁVEL É AQUILO QUE SE PENSA, MAS NEM SEMPRE SE PODE CONFIAR NO CÉREBRO.

FUJA QUANDO SEU PAI AGITAR UM PORRETE GRANDE; ACEITE A PANCADA QUANDO O PORRETE FOR PEQUENO.

É preciso estar bem atento, diz o mestre, para entender as coisas mais importantes. Cá entre nós, às vezes é difícil ficar atento com frases como “O duque Ai do estado de Lu perguntou a Zai Yu... Confesso que me desconcentro ao visualizar uma briga de espadas e artes marciais com os adversários gritando iáááá, hááá!!! Perdão, confucianos, eu não sou de ferro...
E pra terminar, essa é disparada a melhor de todas:

ASSOCIAR-SE COM GENTE BOA É COMO VIVER NUM CÔMODO CHEIO DE ORQUÍDEAS; ASSOCIAR-SE COM GENTE RUIM É COMO VIVER NUM DEPÓSITO DE PEIXE SALGADO. APÓS ALGUM TEMPO NEM SE NOTA MAIS O CHEIRO.

Longa vida a Confúcio.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Pássaro-palavra

É que nunca me entrevistam, porque se me entrevistassem de vez em quando e me perguntassem qual é o meu escritor ou escritora preferida, diria, como num mantra: Hilda Hilst Hilda Hilst Hilda Hilst. Não sabe quem é? Informe-se, diria ela.
Da prosa já li a obra completa, e é arrebatadora. Alguns textos são como socos no estômago, mas você sempre sobrevive. Baqueado, afônico e meio vesgo, mas melhor do que antes. Nunca havia ficado tão siderada como fiquei com suas funduras, seus adentros, seus embaçados. Agora começo a ler as poesias e elas têm a mesma luz da ficção, mas com algum colorido a mais. E como só a poesia salva, diria a bruxa da Casa do Sol, aí vai um alento para esses tempos tão difíceis para nós, escritores de aluguel e outros mortais:

Amada vida:
Que essa garra de ferro
Imensa
Que apunhala a palavra
Se afaste
Da boca dos poetas.
PÁSSARO-PALAVRA
LIVRE
VOLÚPIA DE SER ASA
NA MINHA BOCA.

(...)

Que essa garra de ferro
Se desfaça
Diante da luz intensa
Da palavra.

PALAVRA-LIVRE
Volúpia de ser pássaro

Amada vertiginosa.

Asa.

“Poemas aos homens do nosso tempo”, parte X, in Júbilo, memória, noviciado da paixão. 2 ed. São Paulo, Globo, 2001.

domingo, 13 de julho de 2008

Eu não resisto

Vocês (não) pediram, então aí está:

Rasgos de noite
Pendurados na bolsa
Ficou sobre a mesa
No fundinho do copo
Na luz aguada com bolhas
A dúvida transparente de antes
O estalo ensurdecedor
Do gole que desce
Mas não molha
Jamais haverá
Água
Para tanta sede
No fundinho do copo
Estará sempre
A dúvida encarnada de antes
Bolhas de noite aguada
No copo balouçante

domingo, 6 de julho de 2008

Chama o reboque!

Uma amiga minha, Rosana Ferrão, é publicitária e escritora e tem um blog em http://bloglog.globo.com/rosanaferrao. Recentemente, escreveu o post Vistoria do Detran in Rio: Eu fui! Enquanto eu lia o texto, às gargalhadas, fiquei sabendo que seu carro andava sofrendo de ataques súbitos de formigas assassinas. Eram centenas delas que, mesmo depois de dedetizações e despachos, resolveram aparecer em plena vistoria do Detran, numa espécie de arrastão selvagem. Foi só o inspetor levantar um pedaço do carpete para anotar o chassi que elas apareceram, furiosas. Se o carro da minha amiga passou na vistoria? Sim, passou. Parece que o inspetor ficou com pena.
Bem, meninos, eu não passei. Quer dizer, eu nem cheguei a fazer a prova. Sorry, Rosana, mas a minha história é mais dramática! Pra começo de conversa, precisei subir a serra para passar pela vistoria. É que o meu carro, assim como eu, nasceu em Petrópolis, e os documentos são todos de lá. Como o Detran está muito preocupado em agilizar as coisas, agora não é mais permitido fazer a vistoria em qualquer cidade ou município diferente daquele que aparece no raio do Renavam. Por que facilitar, se eles podem infernizar a sua vida?
Depois de três horas de viagem graças a um trânsito de sexta-feira em toda a cidade e outro trânsito causado por um engavetamento na Linha Vermelha, cheguei no tal posto da vistoria. Quer dizer, cheguei na fila para o tal posto. Cheguei no começo da rua onde ficava o tal posto, no alto de uma colina. Eu estava no pé do morro, atrás de mais ou menos vinte carros. Foi aí que o meu sangue germânico começou a esquentar. Comecei a lembrar de todas as vezes em que eu havia ligado para o Detran para tentar marcar a vistoria e ouvia sempre, como um recado eletrônico: “Não temos vagas para esse posto agora, liga mais tarde”. Como assim? Isso é um agendamento ou um teste psíquico? Mais de dez tentativas depois, desisti e contratei um despachante. Milagrosamente, no dia seguinte eu tinha um dia e um horário marcados. Competentes, eles, não? O que não me disseram é que, em média, são oito carros agendados a cada quinze minutos. Me diz, então, por que marcar horário? Era mais fácil eles desejarem boa sorte e mandarem rezar um pai nosso.
Motor desligado naquela fila que não andava há mais de meia hora, era nisso que eu pensava quando passei a mão no meu celular. Comecei a soltar os cachorros com a despachante que, no meu limitado entendimento de mundo, deveria ser uma pessoa que facilitasse a minha vida, e não o contrário. Enquanto eu reclamava os meus direitos, a fila deu sinal de que daria alguns passinhos à frente. Tentei ligar o carro, e nada. Nadinha. Em plena discussão telefônica, enquanto a mulher me falava para eu ter calma (o que, é claro, me deixava ainda mais irritada), o carro morreu. Pifou mesmo, largou mão, jogou a toalha, desistiu da vida. E o que é pior, parou a fila. Bom, perdi completamente a moral. “Vem cá, dá para chamar alguém para me ajudar porque o carro não quer mais ligar?”, eu falei bem cândida para a minha querida despachante. Enquanto eu fazia sinal para os outros carros passarem na minha frente, o mecânico chamado às pressas na esquina coçava a cabeça. Não teve jeito. Esperei pelo reboque por quase uma hora num frio de rachar, mas só conseguia pensar numa coisa: perdi a vistoria!!! Gente, vou ter que fazer tudo de novo! Agora me diz, Rosana, essa história bate ou não bate a sua?

terça-feira, 1 de julho de 2008

Bye, bye, Off Flip

O problema de participar de concursos é que você pode perder. E perder é chato. Eu não costumava participar de nada, mas à medida que os prêmios foram ficando intere$$antes, acordei para a vida e me meti em alguns. Mas só neste ano já levei duas bombas. Uma da Fundação Biblioteca Nacional, que oferece bolsa de criação literária para romances em desenvolvimento (é claro que tenho um romance em desenvolvimento, quem não tem?), e outra da Off Flip, que promove anualmente, entre outros, um concurso de poesia. Neste o prêmio é mais modesto, mas os vencedores também ganham hospedagem com direito a acompanhante para todos os dias da Flip. E eu, que até hoje não consegui freqüentar aquela feira, a-do-ra-ria ter ganhado esse empurrãozinho. Mas não rolou e o bochicho de Paraty ficou mais uma vez para a próxima. Então, como prêmio de consolação para minzinha, publico aqui mesmo a poesia com a qual concorri (não é pra isso que serve blog, gente?). Achei que ela era alternativa, bem Off. Como se vê, achei errado. Chamem os jurados.

Drama urbano

Vestida de cansaço,
a mulher bateu a porta.
Na bolsa de pânico meteu as chaves
e os documentos
(envoltos em sacos plásticos).
Já na rua sentiu frouxa a calçada.
Sob sol inclemente, caminhou decentemente
até o ponto de ônibus lotado.
Mais que isso só se lembra até a roleta (russa).
No dia seguinte, amanheceu exausta.
Vestida de exaustão, bateu a porta.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Velhinhos e com tudo em cima

Bem, existe vida além da bela menina, do Nós do Morro e do Cabeleira. E ela está na velhice. Ou melhor, na longevidade. Ando copidescando um livro que será em breve lançado pela Ediouro, e trata das medidas que devemos tomar para envelhecermos direitinho. Direitinho é sem Alzheimer, cardiopatias, diabetes e disfunções outras variadas – queridos, o corpo pifa com o passar dos anos.
Confesso que, fazendo esse trabalho, me senti um pouco mais velha do que meus 33 anos sugerem e fiquei um tanto preocupada com a minha sobrevida. Fiz as contas e vi que faltam mais ou menos quinze anos para a minha menopausa e para a largada infindável e insuportável de exames obrigatórios como mamografias, densitometrias e outros nomes irritantes.
Well, well, é a vida. Para animar então vocês, turminha, aí vão algumas informações importantes para quem quer chegar bem à “maior idade”. É só um gostinho, o bom bocado mesmo estará disponível nas livrarias, em breve. Encontrem seus óculos de leitura e aguardem.

- Leitura, palavras cruzadas e jogos de tabuleiro diminuem em cerca de 30% o risco de mal de Alzheimer.

- Comprovadíssimo, senhores: o pensamento positivo estimula o sistema imunológico. Parem de resmungar agora.

- Pessoas conectadas socialmente sobrevivem até 20% a mais do que as que se isolam. (Será que fazer blog conta?)

- A atividade física regular pode acrescentar dois ou mais anos à expectativa de vida.

- Só 1/3 do envelhecimento é ditado pela genética. O resto depende do estilo de vida.

- Quanto maior a instrução, menor o risco de Alzheimer (nunca fiquei tão feliz com o meu diploma de Mestrado)

- Ver televisão envelhece. Melhor é ter outros passatempos que estimulam a mente, como a leitura (vale leitura de blog! Eu garanto!)

E um último detalhe interessante: já está provado que pessoas que buscam algum tipo de espiritualidade vivem mais. Uma pesquisa americana chegou até mesmo à conclusão de que visitar a igreja ou um templo religioso uma vez por semana pode aumentar a expectativa de vida em sete anos. Sete anos! Dá para fazer muita coisa em sete anos. É mais uma vida de gato, é mais um ciclo astrológico. É o que eu sempre digo: OOOOOMM ...

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Cabeleira vem aí


Ele chegou antes do Lampião. Roubava e matava sem dó nem piedade. Era cruel até a última gota. E agora ele vem aí. Cuidado minha gente, porque esse é Cabeleira, bandoleiro que aterrorizou Pernambuco no século XVIII.
A inspiração é da obra de Franklin Távora, de 1876, primeiro romance regionalista ambientado no Nordeste brasileiro. Já o livro aí do lado é resultado de uma feliz união: de um lado o desenhista Allan Alex, de outro os roteiristas Leandro Assis e Hiroshi Maeda.
A primeira idéia era a de fazer um filme, e o roteiro foi selecionado para o 8º Laboratório de Roteiros de Cinema do SESC. Mexe daqui, mexe dali, e em pleno segundo tratamento surgiu o convite: e se essa história virasse uma HQ? Os roteiristas toparam na hora e o resultado está aí, pela Desiderata. Curiosidade rápida: a Desiderata foi recentemente comprada pela Ediouro, o que faz com que o Cabeleira e A bela menina estejam morando na mesma casa. Coerente coincidência... Leandro, by the way, é o maridão aqui da que vos escreve. Sem suspeitas, o livro é de dar gosto – e medo. Recomendo, é claro. E quem quiser conhecer o trio que não se acanhe, chegue mais: lançamento dia 24, na livraria da Travessa. Mas deixem em casa os bacamartes.

domingo, 8 de junho de 2008

A off broadway é aqui

Carla – Como surgiu a idéia do Nós do Morro?
Guti Fraga– Eu trabalhava com a Marilia (Pêra) e estava em Nova Iorque, onde ela fazia um espetáculo. Lá tive o grande boom da minha vida. Todo mundo ia pra Broadway e eu queria ir pra off off, queria ir no Brooklin, queria ver o blues na rua, igual ao samba daqui, eu tinha essa coisa de identidade, já tinha muitos anos de Vidigal e precisava ver a negada de lá. E aí vi coisas como uma sala mínima onde rolava um espetáculo e 10 pessoas assistindo, mas com uma qualidade impecável em luz, figurino, tudo. Falei: “Cara, é isso que eu quero”. Tinha aquela confusão ainda de Brasil, de teatro amador ser ruim. E era isso que eu queria, queria fazer a Off Broadway no Vidigal. Na volta, no avião, perguntei para o Fred (Pinheiro) se ele toparia me dar apoio técnico se eu fundasse um projeto no Vidigal. Quando cheguei aqui fui conversando com as pessoas, fui fechando.
O mais difícil foi ter de falar para a Marilia que eu não ia mais trabalhar com ela. Foi horrível, um dos momentos mais difíceis da minha vida. E aí fundei o projeto, chamei os amigos, chamei o Paulo, que hoje é nosso dramaturgo mas que fazia ainda o segundo grau e editava o meu jornal mural na época. Chamei o Paulo pra ele tentar caminhar, pra encontrar uma carpintaria de dramaturgia teatral, essa coisa toda. Mesmo sem saber, eu tinha bolado na minha cabeça como é que eu ia atingir a comunidade, ia trabalhar com alguma coisa que falasse da comunidade, e aí já tinham pintado algumas coisas filosóficas que me envolveriam: eu não queria simplesmente montar um grupo de teatro, mas um grupo de teatro com filosofia de vida, isso é o que me conduzia, obviamente, um grupo de teatro com os amigos, que eu tinha vários, tinha pessoas profissionais que podiam entrar nessa, então era uma coisa bem direcionada.
E eu acho que só tive coragem de fazer isso, na verdade, porque a Marília falava que eu era capaz, a Marília é que botava dentro de mim que eu tinha competência. Porque o pobre que não tem auto-estima (não sei nem falar muito sobre auto-estima porque hoje essa palavra ficou muito corriqueira) não tem certeza que ele é bom, e é muito complicado você não ter essa afirmação. Então eu ter a afirmação dela que eu era legal, que eu conhecia da parada, que eu fazia uma direção de cena, que eu era um bom ator, que eu estava me desenvolvendo como ator, que eu tinha capacidade disso, que eu tinha capacidade daquilo, foi ela que me deu isso. Não posso negar isso nunca, tanto que eu brinco, eu falo que ela é a avó do Nós do Morro, de tanta paixão que eu tenho por ela, por ela ter me dado isso, essa força. Foi assim que a gente começou o nosso trabalho.

That´s all, folks. Quem quiser mais que compre o livro, logo logo ele pinta por aí. Enquanto isso, não deixem de assistir Machado 3x4, adaptação livre do conto O Alienista, de Machado de Assis, espetáculo que o Nós do Morro estréia nessa sexta-feira, no Teatro Ipanema. Eu vou.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A bela menina na TV PUC

Acharam que estavam livres da bela menina? Ahá! Estamos de volta. Ana e eu descobrimos, recentemente, o interessante mundo do canal 16 da Net. É onde estão as TVs universitárias, cheias de repórteres amadores nem tão amadores assim. As matérias são bem feitas, os recursos gráficos idem e você fica se perguntando porque perde tanto tempo vendo a novela das oito na Globo. Aqueles programas são muito melhores do que qualquer Juvenal Antena! Então, em nome do conhecimento e em homenagem às universidades e seus criativos estudantes de comunicação, aí vai a dica: vejam a nossa entrevista sobre o livro A bela menina na TV PUC, que tem os seguintes horários de reprise:
Terça-feira, 3/06 – 15h30m
Quarta-feira, 4/06 – 16h30m
Quinta-feira, 5/06 – 17h.
Marquem esse canal, 16 da Net. Vale a pena tirar a ferrugem do controle remoto...

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Guti em gotas


Melhor seria dizer pérolas. Aí vai mais um trechinho da entrevista, logo logo chegamos na fundação do Nós do Morro. Não percam.

Carla – Por que você decidiu vir para o Rio de Janeiro?
Guti Fraga– Porque sempre foi meu sonho vir para o Rio. Eu queria fazer teatro e achava que aqui teria mais base. Consegui magicamente transferir a minha faculdade de jornalismo para a UFRJ e comecei a fazer a escola de teatro Martins Pena, que é pública. A minha mãe já não podia mais me ajudar e meu pai estava bem velhinho, então era eu fazendo faculdade e teatro e passando fome mesmo. Mas isso era uma coisa normal na minha vida, nada me amedrontava nesse sentido. Comecei a fazer perfumes e essências pra vender. No começo morei em Copacabana, depois vim dividir apartamento com um amigo aqui no Vidigal. E aqui tinha um glamour na minha cabeça, eu nunca esqueço dessas comparações da minha vida: eu tinha assistido Morte em Veneza, e aquele filme tinha uma coisa que era uma magia, aquela geografia de Veneza que me lembrava o Vidigal, porque tinha água, tinha o visual, então era uma coisa muito doida na minha cabeça essa referência de Veneza. E eu comecei a estudar, vim morar no Vidigal e vim morar num lugar muito louco, nos prédios da parte baixa do morro. No meu prédio morava a Gal Costa, Lima Duarte, Arlete Sales, Cláudio Marzo, Danilo Caymmi, morava todo mundo, e eu era um gringo no meio dessa história, fazendo jornalismo, casado, e o casamento dançou nessa história e eu continuei sozinho, morando com amigo, dividindo apartamento, e sobrevivendo.
Comecei a conviver na comunidade e comecei a me identificar com a comunidade. Eu era um dos poucos caras do Vidigal do lado dos prédios que freqüentava também a favela, os primeiros amigos que fiz aqui no Vidigal eram da favela, e como eu sempre fui muito pobre, nunca na minha cabeça existiu diferença social, eu não entendia o que era diferença social na vida, nunca vivi isso, sempre fui um pobre muito bem aceito. Então eu freqüentei sempre a favela, o tempo todo, freqüentava as biroscas feitas com madeira (naquela época era tudo assim) e também freqüentava o Baixo Leblon, eu sou cria do Baixo Leblon.
Pouco antes de terminar a faculdade eu estava totalmente maluco, hippongo, sobrevivendo com a maior dificuldade, uma loucura. O Fernando (Mello) também morava no meu prédio e tinha um amigo artista plástico que confeccionava bolsas para equipamentos de fotografia. Comecei a trabalhar com ele e aí estava tudo lindo, era aquele mesmo o tipo de vida que eu queria ter na época. Eu trabalhava de sunga, comia o que tinha em casa e ia para o teatro. Fazendo as bolsas eu já não passava tanta dificuldade como quando fazia os perfuminhos artesanais. Foi nessa época que entrei em contato com as idéias do Paulo Freire.

domingo, 25 de maio de 2008

Não é mole não

Se vocês cinco ainda não perceberam, este blog aqui é o de uma escritora freelancer (olhem lá no título). Por isso vou tentar mais uma vez explicar o que vem a ser isso.
Ser escritora freelancer é ir a uma reunião sobre um novo projeto de livro que, todos esperamos, terá um patrocínio de alguma empresa. Depois de tudo conversado você vai pra casa, porque escritor freelancer trabalha em casa (o que faz muita gente achar que a gente não trabalha coisa nenhuma, é claro), e prepara um orçamento de trabalho e um cronograma. Sim, porque esse tipo de gente, por incrível que pareça, pode ser muito profissional. Então você entrega a proposta e ela é aceita. Yes! Mais um projeto para o ano! Quem sabe dessa vez as contas não se acertam e o simples hábito de tirar um extrato no caixa eletrônico deixa de ser sinônimo de enjôos e mal-estar?
Então tá. Tudo o que você tem a fazer, agora, é esperar pelo sinal verde da agência que a chamou para o trabalho. Por sinal verde entenda-se adiantamento. Passa-se um mês. Normal. Dois, três meses. Ah, a burocracia dessas leis de incentivo. Seis meses. Caraca, aí já é demais. Você manda um email perguntando sobre o andamento do projeto, afinal de contas você precisa se organizar e garantir um mínimo de disponibilidade para o livro no meio de todos os outros trabalhos em que você se mete. Nada. Ninguém responde. Tudo bem, essas coisas acontecem. Menos um projeto para o ano, deixa pra lá. Não vai ser dessa vez que você vai ao dentista nem economizar para aquela obra da cozinha.
Um ano depois, muita coisa aconteceu.Você lançou mais um livro e está mais ocupada do que nunca (o que não quer dizer que você tenha ido ao dentista ou juntado grana para a reforma da cozinha, bem entendido). Um ano e meio depois você casou, tirou suas primeiras férias de um mês em dez anos, lançou mais um livro e ganhou um pouquinho de prestígio, que é aquilo que ameniza o enjôo naquela hora difícil, a de tirar um extrato.
E de repente, quando você nem lembrava mais que raio de projeto era aquele mesmo, você recebe um telefonema. Finalmente o patrocínio saiu! O ânimo se renova, mas nem tanto. Onde você vai, a esta altura do campeonato, enfiar mais um trabalho na agenda? Enquanto você ainda está tentando encontrar uma saída, recebe a seguinte informação adicional: a verba que saiu é menor do que se esperava e o livro terá de ser feito em menos tempo. Ou seja, um ano e meio depois, não só o seu orçamento não será atualizado como ficará menor do que o acordado, e isso tudo com menos tempo para trabalhar. E, claro, é pegar ou largar. Se você não quiser comprometer os outros projetos em andamento e manter o mínimo, um fundinho só de sanidade mental, a única opção é largar. Larguei.
Isso é ser escritora freelancer.

domingo, 18 de maio de 2008

Entrevista com Guti Fraga (cont.)

Carla – E a sua adolescência, como foi?
Guti – Quando eu fui pro ginásio já havíamos mudado para Goiânia. Comecei a me relacionar com pessoas de outras classes sociais, e aí eu digo que sempre fui um cara pobre que teve muitas oportunidades, porque eu circulava em todas as áreas sociais. Um dos meus amigos, por exemplo, era filho de uma das dez mais elegantes da cidade, e às vezes ele me chamava para comer na casa dele. Como o meu nome é Gotschalk, ele dizia para a mãe dele que o meu pai era embaixador da Alemanha. Eles acreditavam e, é claro, achavam chiquérrimo eu estar lá. Ele fazia questão de me servir e fazia um prato de peão de obra. Lógico que eu matava tudo. Eu sempre tive uma relação bacana com os meus amigos, independente de classe social, de partido político, de qualquer coisa. Então essa questão da possibilidade de uma fusão de vida independente do financeiro ficou natural pra mim, e isso seria muito importante dali para frente.
Fui muito bem aceito pela turma, apesar da diferença de classe, e surgiu uma galera. Essa galera toda estava começando a curtir barzinho e eles sempre pagavam a minha conta. Só que eu enveredei para um lado totalmente diferente da vida deles, eu comecei a fazer teatro em 72. E comecei a fazer teatro com um grupo chamado Grupo Exercício, que foi importantíssimo na minha vida, mais do que tudo, só não mais do que esses meus amigos, que são meus amigos até hoje, alguns deles. Mas eu fazia teatro com esse cara e ninguém mais nem se amarrava em teatro.
Carla – Quem era esse cara?
Guti – Hugo Zorzetti, que era o diretor do grupo. E ele era muito intelectual, falava de revolução, falava de tudo. Já a minha política era muito humana, ela nunca foi intelectual, então nunca entendia intelectualmente as coisas, mas sabia que era um cara legal, e que era um cara que sabia dividir as coisas, e que sempre abria oportunidades pra quem quisesse ou precisasse. Zorzetti era quase um autodidata, sabia tudo de teatro. E eu era instintivo como ator, nunca fui um ator – mesmo trabalhando com ele – de fazer a linha intelectual, nunca tive saco, não tinha o hábito da leitura, acho que pela própria formação que eu tive, eu não cheguei a ter esse hábito nessa fase da minha vida. Mas lia sim, algumas coisas, porque se discutia algumas coisas em grupo, e como eu era quase um dos fundadores, na verdade, eu acho que comecei a ter opinião com esse grupo de teatro. Aprendi que a minha opinião valia, e isso foi muito marcante.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Cá entre Nós

Como vocês cinco já sabem, ando trabalhando no livro do Nós do Morro, companhia de teatro do Vidigal que já completou 22 anos. É o trabalho mais lindo que já vi na vida, para início de conversa. Lá no casarão, onde acontecem as aulas, as oficinas, os ensaios e o dia-a-dia da ONG, o povo trabalha duro. Luta bravamente. Para vocês terem uma idéia, nem cantina o espaço tem. Seria desperdício de metro quadrado, porque cada pedacinho de chão pode servir de palco, de roda de capoeira, de sala de reunião. Todo o ambiente vibra de pura energia, de teimosia da boa. O negócio ali é a arte, o resto é acessório.
No início aquela força de vontade toda me chocou. Não era possível aquilo. Só podia ser um engano, uma pegadinha, uma ilusão de ótica. Quando começaram as entrevistas, confesso que fiquei procurando algum furo, algum rasgado qualquer que saciasse o meu ceticismo burguês. Não encontrei. O discurso geral é limpo, claro, transparente. E convicto. Por isso, a partir de hoje, para me redimir, vou pincelar aqui e ali alguns trechos das entrevistas já feitas. É só uma palhinha, é claro, quem quiser mais que espere o livro, ora.

Começamos então com o fundador Guti Fraga, jornalista, ator, diretor e, principalmente, vidigalense desde 1976. Tem em casa um mural com fotos de quase todos os artistas integrantes da companhia, que por sua vez se referem a ele como “meu pai”, “meu amigo”, “meu confidente”. Mas ai de quem sair da linha. É cortado do mural até que se ouça um pedido de desculpas.
Carla – Fiquei me perguntando de onde vem essa base tão sólida que você tem de ética e solidariedade, e me deu vontade de saber da sua infância, da sua relação com os seus pais, com os seus irmãos. Queria fazer aqui uma “retrospectiva Guti”, antes de falar do Nós do Morro.
Guti – Eu sempre digo que eu fui um pobre muito pobre que tive oportunidades na vida. Desde criancinha. Eu nasci na roça, e quando falo em roça é o centro-oeste do Brasil. Eu nasci em Mato Grosso e até os meus 10 anos não tinha eletricidade na minha casa. Nunca brinquei de carrinho, porque não existia carrinho pra brincar. Eu pegava manguinha e brincava de boi, fazendo as patas do bicho com gravetinhos. Foi uma infância muito pobre, com muita dificuldade. Eu sempre trabalhei de tudo na minha vida e a minha família me ensinou a não ter vergonha disso. Sou um cara que nunca teve Natal quando criança. Lembro que uma vez estava engraxando sapatos na casa de uma família e estavam todos na maior euforia por causa da festa de Natal. Aquele clima era muito distante da minha vida. Eu ainda era uma criança, mas lembro de ter refletido sobre isso quando voltava pra casa já de noite. O trem já tinha passado, eu morava longe pra caramba e tive que voltar a pé, morrendo de medo porque precisava atravessar um matagal. Também lembro de muitas vezes em que eu chegava em casa e não tinha comida. A minha mãe então cozinhava ora-pro-nobis, que era uma planta, uma espinheira, a folha é quase igual a do espinafre. Eu chegava em casa e o que tinha pra comer era ora-pro-nobis com farinha.

Continua

sábado, 10 de maio de 2008

Jabuti

Para quem não sabe, também sou autora de um livro chamado Por trás da Entrevista. Fruto maduro de uma dissertação de mestrado, reúne entrevistas com dez entrevistadores da pesada: Ana Arruda, Artur Xexéo, Benicio Medeiros, Carlos Heitor Cony, Joaquim Ferreira dos Santos, Joel Silveira, José Castello, Paulo Roberto Pires, Sérgio Cabral, Zuenir Ventura.
Pois bem. Qual não foi a minha surpresa quando recebi, ontem, um email da Elisa Folly, da editora Record, informando que ele foi inscrito para concorrer ao prêmio Jabuti, na categoria Reportagem. Ao Jabuti, gente! O mais conceituado prêmio entre os escritores! Só de estar concorrendo já é uma honra e uma felicidade enorme. Mais uma vez só tenho a agradecer à Record, que para me colocar no colo falta pouco. Fico cada vez mais feliz de ter um espaço naquela casa enorme e com coração de mãe. Valeu!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Pausa para os comerciais

Comercial de desodorante. Um homem se olha no espelho do banheiro. Pega o desodorante e o aplica nas axilas, vulgos suvacos, e um pouco no peito. Ao fazer isso, vem a bizarrice: ele se transforma num boneco de... chocolate! Com uma cara de palhaço, sai pelas ruas. Deixa as mulheres loucas. Uma delas, no metrô, morde a sua bunda, lambe os beiços e revira os olhinhos. Outras chocólatras, quando o vêem dando tchauzinho para as viciadas em chocolate de uma academia, passam por ele de carro e... arrancam o seu braço!!! Ele continua sorrindo, com a mesma cara de palhaço do começo.
Comercial de lanchonete. Quatro amigos estão sentados à mesa, fazendo um lanche. Estão todos devorando hambúrgueres feitos com carne de picanha. O hambúrguer é tão gostoso que acaba rápido. O que faz com que um deles, ao invés de lamber os beiços, lamba o... guardanapo. Não satisfeito, ele tenta comer a embalagem de papelão onde estava o hambúrguer. Mas não, aquele sanduíche era bom demais, e o desejo de continuar comendo-o é tão irresistível que ele se vira para... a bochecha do amigo!!!
O que é isso, gente? Será que só eu me espanto? Ninguém mais anda preocupado com a saúde mental dos publicitários? Ou vão me dizer que esse é um movimento cultural antropófago, uma espécie de saudade de Oswald de Andrade?
Meninos e meninas, cuidado. Anda muito perigoso usar desodorante e comer hambúrguer.

domingo, 4 de maio de 2008

Bujiu, digo, Babu

Fui ver Estômago, filme de Marcos Jorge. Não achei a oitava maravilha do mundo apregoada pela crítica mas, envolvida que estou com o livro do Nós do Morro, fiquei ligada no Babu Santana, ator do grupo. Ou melhor, no Bujiu, bandido líder da sua cela, o temido xerife. Que meda daquele homem. A voz dele queria sair da tela e ele pareceu tão violento e imprevisível que, confesso, fiquei com um certo frio na barriga na hora de entrevistá-lo, lá no casarão do Vidigal. Li e reli a pesquisa e a pauta várias vezes para evitar brancos e não deixar o cara mal-humorado, pensei em saídas para possíveis ataques e, em algum lugar do meu inconsciente, devo ter rezado bem baixinho (conscientemente eu nem rezo).
Então, num final de tarde escura, fria e chuvosa, vi o Bujiu, digo, o Babu, subindo as escadas do casarão. Usava uma capa de chuva feita de saco de lixo e carregava algumas sacolas de supermercado cheias de bananas. “É que o pessoal chega com fome para o ensaio”, explicou depois. Com a voz mais mansa do mundo, de fazer inveja a qualquer baiano, chegou pedindo desculpas pelo atraso. A tranqüilidade era contagiante. Ali, naquele segundo, fiquei tão calma que só pude rir de mim mesma. Ridícula. O Babu Santana deve ser incapaz de fazer mal a uma mosca. O que acontece, simples assim, é que ele é um baita ator. Não é à toa que, com menos de trinta anos, já atuou em mais de trinta filmes. Modesto, centrado, calmo e com uma alegria serena que toma conta da sala, ele diz que deve tudo à família – a dele e a do Nós do Morro. Na verdade, é tudo mais ou menos a mesma coisa. Não é por nada não, mas essa família merece mais do que um livro. Vale uma pesquisa científica nos moldes de O alienista, conto de Machado de Assis que será levado aos palcos em breve. Andam ensaiando até de madrugada. Babu é Dr. Simão. Não podia ser outro.

Desabafo

(Bem, essa é mesmo a última. Por enquanto.)

Entre uma arapuca e outra,
gemo cansaço.
Nojo de caras e bocas
e dedos com digitais sujas de
vaidade
presunção
arrogância
Quanta raiva, não?
E isso só de uma reunião
de pouco mais de uma hora
A armadilha lá, na sala pequena
Os arrotos de sabedoria lá, na mesa redonda
E eu depois aqui, sozinha, seguindo a trilha
da desilusão, da revolta muda e do cansaço
imanifesto
(aquele que racha os ossos sem fazer barulho do lado de fora,
enquanto do lado de dentro ecoam, monocórdias, as três
palavrinhas mágicas: puta que pariu).

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Última (ou penúltima, nunca se sabe)

Aqui termina a semana de poesia. Quem leu, leu, quem não leu perdeu (acho).

Osso, nervo, corda, músculo
Fáscia
Face
Diafragma
Entre o leite e o sangue
Um só gesto
Aquele que mistura
Osso, nervo, corda, músculo
Fáscia
Face
Entre o nó e o abraço
Um só movimento
Impulso
Explosão
Respiração (essa sempre)
Inspira
Expira
Gira
Senta
Escreve
Come
Inspira
Expira
Dorme
Acorda
Ri e passa a manteiga
Inspira
Aum
Expira
Om
Face reconhecendo outra
Namastê
O quê?
Digo, a verdade que está em mim
Reconhece (e saúda)
A verdade que está em tua
Face.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Títeres de ti

Com carinho para os meus cinco fiéis leitores:

Segure os meus cordões
Levante os meus ombros.
Marionete cordata
Garante sucesso de público
Embora um dia vire sucata.

domingo, 27 de abril de 2008

Sarau de domingo

Silêncio.
O sono dorme.
Ondas coloridas amortecem
Sonhos-rajadas.
Os corpos, encapsulados,
Alojam-se no escuro do não
Pensado.
Aquilo que, de manhã,
Será também o não
Lembrado.
Noite é assim,
Bangue-bangue de neurônios cansados.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Um pouco de poesia

Para não dizerem que não falei de flores (é duro ser blogueira), começa aqui uma semana de poesia. O primeiro sarau é hoje. Estão todos convidados. Aí vai:

Corpo distendido
O não dito
Pelo dito.
Enquanto pêlos
Eriçados
Agitam sutilmente
Braços cansados,
Ombros fundos
Estalam dores
E também cores.
Estranha mistura,
A vida.
Enquanto dura,
Eriça, dói, colore
E afunda.

O ovo está vazio?
Quebrada a casca?
Perdida a gema?
Ficamos com a clara?

Até onde a perna vai
Sem que o braço a alcance?

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Subindo o Vidigal

Bem, existe vida além da bela menina. E ela está lá na rua Dr. Olinto Magalhães, n° 54. É subir o morro do Vidigal e parar mais ou menos na metade do caminho, onde fica o casarão do Nós do Morro. Pra quem não sabe, Nós do Morro é um grupo de teatro (hoje Companhia de Teatro Nós do Morro) fundado há 22 anos por Guti Fraga, Fernando de Mello da Costa, Fred Pinheiro e Luis Paulo Corrêa e Castro. Nos primeiros espetáculos que viriam a montar – inspirados no cotidiano dos moradores e encenados pelos próprios –, Fernando cuidaria da direção e da cenografia, Fred da iluminação e Luis Paulo da dramaturgia. Fernando hoje segue outros caminhos mas, fora essa baixa, é assim que funciona até hoje. A idéia era proporcionar à comunidade o acesso à arte. Acabou levando-a ao mercado de trabalho, porque qualidade ali sempre foi palavra de ordem.
Valeu a pena a maluquice de Guti, vidigalense desde a década de 70 e idealizador do grupo. Naquela época, Guti encerrou uma longa parceria de trabalho com Marilia Pêra em nome de um sonho. Chora até hoje quando conta a força que precisou ter para dar esse passo. Grande passo, hoje mais do que reconhecido não só pela amiga Marilia, mas também pela crítica nacional e internacional.
Participar da produção desse livro é uma honra. E freqüentar o casarão é uma experiência ímpar. Não só pela vista deslumbrante lá de cima, mas pelo clima de seriedade e cumplicidade que reina no espaço. Ninguém chega atrasado, ninguém deixa de cumprimentar ninguém e é um tal de bom dia boa tarde boa noite que a gente se pergunta porque o Rio de Janeiro inteiro não pode ser assim. E recomendo: Cidade Vampira, peça em cartaz no Teatro do Vidigal. Fica na mesma rua do casarão, no nº 16. (tel. 3874-9411)

domingo, 20 de abril de 2008

Feliz bela menina

Estava eu lá, caneta nova em punho, autografando os livros ao lado da Ana, quando começo a ver os personagens da história ali, ao vivo e a cores. Estavam quase todos lá, na fila, livro na mão, esperando a vez. Quer dizer que eles respiram, gesticulam, andam e ainda tiram fotos? E eu achando que eles estavam só na minha imaginação! Estava lá o primo, cúmplice de boa parte da infância e da adolescência passada em Teresópolis; a Claudia, companheira fiel de noitadas; a Flavia, que também se livrou da cocaína mas continua viciada por leite em caixinha. Toma dois litros por dia. E o Gagoo, ex-namorado que antes se drogar fazia ioga e tomava suco de clorofila, que era para tentar levar uma vida saudável. Que delícia ver todos eles lá, festejando suas vidas novas, refeitas, felizes e hoje bem mais interessantes. Ah, sim, e Mariah e Maria Julia, claro, orgulhosas da mãe que não parava de cumprimentar amigos. Elas eu já conhecia, mas a verdade é que estavam bem diferentes no dia do lançamento. Vai ver porque elas, agora, é que são personagens de uma nova história, uma nova obra. Um livro sem a palavra droga a cada cinco páginas. Parabéns, meninas! E obrigada aos meus amigos que também compareceram em peso. Family idem. Até flores ganhei! Pena que escrever livro dê tanto trabalho. Lançamento é tão bom que dá vontade de ter sempre, tipo aniversário. Feliz A bela menina!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Eu vi, meninos

E não é que a entrevista no Amaury finalmente apareceu? E não é que falamos direitinho? No dia da gravação foi tudo tão caótico que fiquei com a impressão de que a entrevista também tinha sido confusa. Mas não. As respostas foram claras e a Ana pareceu bem à vontade.
Foi estranha a experiência de me ver na televisão. É engraçado, mas o que menos me deu aflição foi a minha voz, que é o que costuma incomodar nove entre dez entrevistados. Já os meus cabelos...
Alô, torcedores silenciosos deste blog, tem reprise no sábado!

terça-feira, 15 de abril de 2008

É duro

“Vai ao ar no sábado”, disseram. Sábado, na hora prescrita, no canal de TV prescrito, sentei com o meu marido no sofá para assistir o programa no qual eu apareceria falando sobre o livro que vocês já sabem qual é. Durante as três, três horas em que ficamos reféns da telinha, vimos de tudo. Uma cacatua linda, uma arara mais linda ainda, uma cobra horrorosa. Um cara que ensina os outros a beijar bem (!), um psicólogo especializado em inveja, uma apresentadora agitadíssima que tem como meta ser a maior apresentadora da televisão brasileira. No meio disso tudo teve a fofa da Eva Todor, comemorando seus quinhentos anos de carreira com um livro que pareceu ser bárbaro. Ah, sim, e também dançarinos e dançarinas, as shadow dancers. Enfim, teve de tudo, tudo mesmo, menos... euzinha.
Vai ver não gostaram da entrevista, pensei. Mas não, é que mudaram a grade da programação e ninguém avisou. No dia seguinte, familiares enfurecidos deixaram recados mal educados na minha secretária eletrônica, inconformados com a propaganda enganosa recebida, de que eu ia aparecer no programa naquele sábado. É dura a vida de entrevistada. A quem interessar possa, by the way: agora dizem que a entrevista vai ao ar na terça. Mas não garanto.

sábado, 12 de abril de 2008

O grande dia

Lançamento é quase igual casamento. Você faz de tudo para que aquela noite seja mágica, iluminada, cheia de amigos e parentes torcendo por você. Lindo, né? Mas aí você lembra que esqueceu de convidar seu ex-chefe, que tem que fazer urgente a sobrancelha, que tem uma espinha querendo tomar conta da sua testa, o que pode não ser um problema porque problema mesmo é se ninguém aparecer, meu Deus, e se ninguém aparecer? Aí você lembra que ao menos o povo da editora vai estar lá, mas e quem disse que isso acalma? Ver o editor assim, na noite de lançamento, também é de dar taquicardia. E se você esquecer de cumprimentar alguém importante? Pior, e se você não conseguir lembrar o nome da sua assessora de imprensa?
Eu já tive festa de casamento e já passei por alguns lançamentos (com a Marilia Carneiro simplesmente rodamos o país todo, foi uma delícia), mas mesmo assim parece que essa é a primeira vez. O mesmo frio na barriga, a mesma nóia, e principalmente a mesma felicidade. Alô, visitantes invisíveis desse blog, vejo vocês no dia 17, na livraria Argumento, para comemorarmos a largada oficial de A bela menina do cachorrinho. Estão todos convidadíssimos. Até lá, muita yoga na veia para segurar o coração. Aum...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O poder do Amaury

Então fomos gravar para o programa do Amaury Junior. Acordei às seis da matina, peguei um avião para São Paulo, encontrei com a Ana no aeroporto e rumamos para a Rede TV. Nos instalaram num camarim confortável, com direito a sanduíches, refrigerantes e frutas. Chique, não? Eu também achei, mas depois das duas primeiras horas de espera, o sentimento era mais o de estar preso numa jaula. Depois de três horas de espera, deu-se uma certa claustrofobia, mesmo. Mais duas horas e a Ana quis desistir de tudo. Outras duas horas, uma demissão de uma produtora e um pedido de desculpas da diretora depois, finalmente entramos no estúdio... vazio. Até a platéia já tinha ido embora!
Mas há males que realmente vêm pra bem: a alternativa foi fazer uma entrevista mais informal, intimista mesmo, os três sentados em pufes coladinhos. No final (depois de sete, sete horas de espera!), a entrevista foi ótima. Rendeu muito e foi até engraçada. Chateado com a confusão toda, um dos produtores chegou a me oferecer um prosecco. Aceitei, é claro, porque confusões acontecem nas melhores famílias. Aliviadas e exaustas, corremos (literalmente) pelo aeroporto para conseguir voltar ainda naquele dia, que era véspera do meu aniversário. Parabéns pra mim hoje! Estou feliz só de saber que corri o risco de passar a virada para os meus 33 aninhos num hotel qualquer perto do aeroporto de São Paulo mas estou aqui, lar doce lar, pensando que o Amaury deve ser pé quente.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O poder do Ela

A matéria de capa do caderno Ela, do dia 3 passado, continua ecoando. Dizem as boas línguas que teve até gente chegando na livraria com o jornal na mão para pedir o livro que vocês já sabem qual é. Alô, recém chegados: estamos falando da biografia A bela menina do cachorrinho, da Ediouro.
A reportagem da Bety Orsini foi um sucesso incrível. Na manhã de sábado recebi várias ligações, o mundo inteiro lê o Ela, não tenho dúvida. Mas o que as pessoas não sabem é que a entrevista também foi um show à parte. Enquanto rolava a conversa na redação do Globo e a Ana contava as suas agruras de ex-viciada, a Bety abriu o coração. Emocionada com a história toda, contou do seu casamento com um ex-dependente químico. Foram quatro anos de luta e hoje ficaram só as saudades. E as lágrimas. Quando vi, Ana e eu estávamos entrevistando a Bety, querendo saber mais daquela história tão cheia de entrega e amor, amor do bom. Por bons momentos, ficou em suspenso quem era personagem de matéria ali. A Bety também rende um livro.