sexta-feira, 25 de março de 2011

Feliz site velho


Como a empresa de hospedagem faz questão de me avisar diariamente, a licença de uso do domínio do meu antigo site, o www.acasadomoinho.com, expirou. Hoje ele se despede da vida cruel e deixa em seu lugar o fiel representante da wordpress, que vocês seis já conhecem (vejam aí ao lado o link pra ele, gente).

Aquele foi o primeiro site e, de certa forma, dá tristeza abandoná-lo. O desenho da página principal, arrematado com logo criado pelo marido, tem enorme valor sentimental. Esses quadradinhos eu desenhava na infância, com giz de cera, e andava sempre com eles nos bolsos das minhas calças adidas. Quando ficava triste desdobrava o papel e olhava para aquele colorido todo. Estava descobrindo, intuitivamente, os poderes da cromoterapia. Deve ser por isso que até hoje adoro uma cor. Como não tenho coragem de abusar delas no armário, acabo colocando cor na casa. Já tenho uma parede laranja e acabei de encomendar, para o sofá da sala, uma capa vinho. Chega domingo. Estamos apavorados.

Mas precisamos jogar fora as coisas velhas para abrir espaço para as novas, é o que sempre dizem. E o novo site é mais profissa, mais ágil, mais objetivo. Só não tem poesias. Essas ficaram no velho e agora, quando acham de acontecer, rumam direto para o blog sem intermediários. Com pena das antigas agora desabrigadas, resgatei umazinha. Para lembrar que todo adeus é tristonho, mas tem seu valor.

Não fujam da angústia, meninos. Ela sempre cobra dividendos. Feliz site velho pra vocês também.


Angústica. A angústia que estica e não está no dicionário. Sim, porque, se estivesse, não seria angústia de verdade. A angústica não se cura com verbetes nem glossários nem bulas testamentosas. Esta aí só com a morte. Mas aí ela deixa de ser angústica. Vê-se, assim, que é uma questão sem solucionamento, que é: vir sempre desacompanhada de solução e pensamento. Ela é feita de emoção densa, espessa, escura, viscosa e muitas vezes chorosa, mas, note-se, não sempre. Ela também passa despercebida num rosto calmo (e principalmente educado). Ela é discreta, mimética, nada dialética. É fácil identificar, na verdade. Basta não saber explicar.

terça-feira, 15 de março de 2011

Pisando em...cascas


Como todos, ando aturdida com a sucessão de desastres do Japão. Mas a mente humana é a coisa mais estranha. Dentre tantas informações impactantes, fui me prender logo a uma metáfora usada pelos especialistas para explicar a fragilidade do solo japonês. Segundo eles, é como se os japoneses vivessem sobre uma...casca de ovo!

Casca de ovo é das coisas mais frágeis que conheço. Mas também é prenúncio de vida. Ou de omelete. É ainda protagonista da questão existencial mais antiga da humanidade, aquela que pergunta quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. O ovo também é ovo de Páscoa, ah, vocês entenderam, casca de ovo é algo muito marcante, gente, muito presente no nosso inconsciente.

Então a pessoa assiste o noticiário e lê obsessivamente os cadernos especiais, morre de pena dos japoneses lá do outro lado do mundo, se espanta com a tal comparação do ovo e vai dormir com aquele turbilhão na cabeça, pensando na ironia que é um solo tão frágil servir de base para um país tão sólido, educado, rico e poderoso.

Claro que não podia dar em boa coisa. A minha mente (de vez em quando ela apronta, meninos, já tentei de tudo mas ela não obedece), numa tentativa enviesada de lidar com a tragédia e incapaz de escrever um belo haikai, apelou para a comédia de mau gosto e estilo discutível. E me mandou escrever o seguinte:

Casca de ovo quebra
Gema mole não
Gema esparrama
Casca de ovo não
Gema faz gemada da boa
Já com casca não é bom não
Cascadura enfim não é mole
Mole mesmo é gema no pão

Vai entender. Graças a Deus não sei escrever em japonês.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O filósofo Proust



"Porém mesmo do ponto de vista das coisas mais insignificantes da vida nós não somos um todo materialmente constituído, idêntico para todas as pessoas, e de que cada um não tem mais que tomar conhecimento, como se tratasse de um livro de contabilidade ou de um testamento; nossa personalidade social é uma criação do pensamento alheio. Até o ato tão simples a que chamamos “ver uma pessoa que conhecemos” é em parte uma ação intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos a seu respeito, e, para o aspecto global que nós representamos, tais noções certamente entram com a maior parte. Acabam por arredondar tão perfeitamente as faces, por seguir tão perfeitamente a linha do nariz, vêm de tal forma matizar a sonoridade da voz como esta fosse apenas um envoltório transparente, que, cada vez que vemos esse rosto e ouvimos essa voz, são essas as noções que reencontramos, que escutamos."


Sempre achei que Proust era tão filósofo quanto escritor, assim como sempre suspeitei que a filosofia passeia pela literatura muitas vezes com mais desenvoltura do que nas ditas ciências sociais. Está aí acima, num trechinho de No caminho de Swann, uma pequena prova. O escritor, com muito mais melodia e elegância, destrincha o conceito do “outro generalizado”, de Mead. De quebra, no mesmo parágrafo, desliza também pela sociologia e pelo conteúdo de A representação do eu na vida cotidiana, de Goffman, livrinho que a gente lê na faculdade e acha o máximo. Depois os anos tratam de mostrar que não é bem assim. Ou que outros explicam a mesma coisa de um jeito infinitamente melhor. Como Proust e seu Em busca do tempo perdido, que, dizia um amigo meu do mestrado, deve ser lido homeopaticamente, que é para a gente se deleitar e não perder nenhuma madeleine.
Uma a três páginas por dia, à noite, é uma boa prescrição. Não é preciso mais para dormir feliz e angustiado, surpreso e acalentado. No mínimo, para lembrar do tempo em que esperar o beijo de boa-noite da mãe era mesmo ato ambíguo, cheio de antecipação amorosa e solidão escura anunciada. Ou para aprender a gostar de filosofia.