sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Epicuro a pão e água

Um dos livros que estou escrevendo, o do gentleman de Ipanema, é sobre estilo de vida. Tema amplo, não? Pois é. Não posso dar outros detalhes mas também se pudesse não teria lá muito mais a contar. Fato é que o gentleman viaja muito e as entrevistas, infelizmente, andam escassas. Por isso estou aqui tirando leite de pedra. Leite não, iogurte. Yogoberry. De frutas vermelhas.
Resolvi apelar para a filosofia, porque só a filosofia salva. Vamos então de Epicuro, filósofo preferido do gentleman ocupado.
Epicuro, filósofo nascido em Atenas no ano 341 a.C., acreditava em coisas muito simples e consistentes, como por exemplo que a obra principal da vida é a natureza. Sua filosofia era uma filosofia do prazer, que se afastava dos falsos prazeres e dos bens ilusórios para buscar a saúde do corpo e a serenidade do espírito, combinação que seria a real fonte de prazer, prazer de verdade – e suprema maneira de viver. “Meu corpo fica saturado de prazer quando tenho pão e água”, dizia.
Sua idéia de busca do prazer (hedoné) foi muito mal interpretada, no entanto, fazendo o hedonismo virar palavrão. O prazer que interessava a Epicuro não tinha nada a ver com a volúpia nem mesmo com o gozo sensual. Ele falava de um corpo sem dor e de tranqüilidade da alma. Essas condições é que trariam uma atmosfera de felicidade que ele gostava de comparar à superfície do mar suavemente agitado. Na tranqüilidade do mar, assim, estava o segredo da felicidade. Nem mais nem menos. Simples como a idéia de que todo ser vivo procura com certeiro instinto a condição adequada à sua vida. Acreditando que todo o bem e todo o mal residem na faculdade de sentir e que os órgãos sensoriais são infalíveis, Epicuro colocava na mão do homem a responsabilidade pelo seu próprio destino, numa atitude muito ousada para uma época ainda governada pelos deuses gregos e que ainda não tinha a física quântica para respaldar o livre arbítrio. Para Epicuro era só dele, do homem mortal, a chance de ouvir seus desejos e entender que cada dia novo é uma dádiva. É a arte da vida requintada ao máximo.
Não é bonito, crianças?
Mais de Epicuro para vocês coalharem seus iogurtes:

A morte não é nada para nós, pois aquilo que já foi dissolvido não possui mais sentimentos. Aquilo, porém, que não possui mais sentimentos, não nos importa.

Se aquilo que ocasiona prazer aos libertinos eliminasse os anseios do espírito, dos fenômenos da natureza, da morte e das dores, e se ainda ensinasse o conhecimento da limitação das ânsias, nada teríamos a desaprovar nessas pessoas.

Devemos gravar em nosso espírito o alvo que temos em mente, tudo que é real para nós, e no qual podemos basear nossas suposições. Se não fizermos isso, reinarão unicamente obscuridade e confusão.

O essencial para a nossa felicidade é nossa condição íntima: e desta somos nós os amos.

Quem menos sente a necessidade do amanhã mais alegremente se prepara para o amanhã.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O blog da bela menina

Foi um choque. Os olhos acompanhavam sedentos as linhas e sabiam que precisavam ser rápidos porque eles mesmos ameaçavam aguar tudo. Palavras eram sorvidas como cerejas do bolo de chocolate e marshmallow mais gostoso de todos os tempos, aquele que a gente nunca esquece e faz questão de anotar a receita (mas nunca consegue fazer igual).
Com o estômago em estado de alerta, preocupado em não deixar passar migalha, descobri que a Ana acabara de botar um blog no ar. A idéia era antiga. Surgiu logo depois do lançamento do livro, há pouco mais de um ano. Para incentivá-la, fui desbravar o Blogger e consegui, heroicamente, criar um blog sozinha. Vocês estão aí rindo mas é muita coisa para quem há até pouco tempo (não vou falar quanto) era virgem de msn e smartphone. Foi um feito e tanto, meninos. Mas não serviu para que a Ana seguisse o exemplo. Ela titubeou, pensou duas vezes, três vezes, viajou para Bali e nunca mais falou no assunto. Chegamos a pensar em fazer um blog juntas, mas eu achava que o texto tinha que ser só dela.
A intenção era divulgar a obra, dar vazão às dezenas de pessoas que queriam fazer contato com a Ana depois de ler o livro e seguir adiante com o projeto, quem sabe vendendo a história para o cinema. Eu mesma comecei a trabalhar na escaleta do roteiro com o meu marido e as coisas iam muito bem, até que ele recebeu uma proposta para trabalhar em uma grande produtora. Foi motivo de comemoração, é claro, mas o convite trouxe, com ele, um inevitável the end para o nosso projeto de roteiro. A agenda ficou apertada e paramos por aí.
Então o tempo passa, o tempo voa, outros trabalhos surgem e acabei ficando um pouco afastada da bela menina. Entre uma mensagem de email e outra, pegava apenas as notícias da superfície. E agora dou de cara com A bela menina do cachorrinho, blog amadurecido, bem humorado, bronzeado e de bem com as escorregadas da vida. Carimbado ainda com o blog da Mariah, filha mais velha que tem 18 anos mas escreve com tarimba de 30. Coisas de família.
A menina é bela e a vida também, crianças. Quem estiver perdido (ou nostálgico, quem sabe) e quiser relembrar a história toda pode dar uma volta por aqui:

A bela menina
O poder do Ela
O poder do Amaury
O grande dia
Feliz bela menina
Deus e a bela menina

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Até que o enter nos separe


Terça feira à noite, barzinho em Botafogo, lançamento do site Enter rolando, amigos do marido e povo do HQ chegando, chopinho na mão. Caminho até a meia muvuca para procurar Heloisa, a anfitriã da noite e quem me convidara para o evento. Abraço apertado como sempre, festa, sorrisos. Até que pergunto se ela recebeu meu email, coisas de trabalho. E ouço que não, ela não abriu o email porque seu filho, Pedro, andava sequestrado. O chope deu meia trava. Vontade de arrotar um imenso e gordo COMO ASSIM?
Aquele já era um momento de alívio. Os bandidos já haviam sido presos, Pedro já estava em casa, a imprensa começava a noticiar o fato. Depois de todo o sofrimento, era mesmo de se comemorar, se é que faz bem pra saúde entender comemoração assim, como euforia por não ter virado mais um número de estatística. No entanto não consegui parar de pensar naquele contraste. O telão ali do site rolando, as pessoas conversando animadas, a vida seguindo. E saber que algumas horas antes o filho da idealizadora do site que reúne alguns dos artistas mais interessantes do páreo hoje como Fábio Moon e Gabriel Bá, Fábio Lyra, Omar Salomão e Cecília Giannetti (esses dois últimos também curadores do projeto que Heloisa batizou de soft book) estava amarrado, amordaçado e sendo ameaçado de morte.
Valha-me.
Nos resta o alimento da alma. Enter vale o clique e explica que escritores blogueiros são, na opinião dos estudiosos do assunto, escribicionists: autores que experimentam a escrita num espaço abertamente público e tiram daí efeitos propriamente literários, criando uma dicção crítica e ácida, fruto de uma óbvia auto-ironia.
Se sou uma escribicionist não sei, mas que esse blog me levanta um cadinho o humor negro, levanta. Mas também aprendi com o site que o enter tem outro valor: o de mudar de assunto, de partir para outra, de abrir outro parágrafo. É o enter que leva o usuário a uma nova lógica / linguagem / espaço. Então a gente pensa que entre lançamentos e seqüestros ainda vale a pena rebolar, e sai rebolando. Até o próximo enter.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Na mosca

Eu não sei o que é mais difícil: quando gostam ou quando não gostam. Quando não gostam do seu texto, jogos de cena à parte, você se sente a mosca que, de tão insignificante e incapaz, não teve nem pontaria para pousar no cocô do pangaré do bandido. Já quando gostam, você respira, sim, aliviado. Mas logo vem à tona um “aimeudeus tanto trabalho agora pela frente”, pensamento especializado em fazer arder as idéias como uma espécie de pimenta cerebral. O que reflete no estômago que arde e grita lá pra cima: “Gente, será que vai dar?”, e se encolhe quando começa a ouvir seu eco, “vai dar?”, “vai daaar?”... No que o cérebro, muito altivo e auto-centrado, não se digna a responder. E nem pode, sob pena de desagradar sua platéia: os neuroniozinhos se amarram num suspense.
Desse pequeno circo aí se conclui que escritora freelancer sofre de chatice aguda e não tem salvação. Pula do paraíso para o inferno e vice-versa quinhentas vezes por minuto. Nem ela se agüenta, é claro. Então ela ataca pela primeira vez Uma temporada no inferno, de Rimbaud, e entende que seus dramas são fichinhas mais insignificantes do que a vida medíocre da mosca cega. O que a faz ficar um tantinho deprimida, é claro. No que ela adoece e o resto vocês não teriam paciência de saber. Nem ela.
Em homenagem então ao (não) sofrimento da freelancer, aí vai o último fragmento nonsense do Romance de Gaveta, que teve a sua publicação suspensa até que se entenda mais ou menos o que vinha sendo publicado.
Podem todos respirar aliviados, assim, juntos: ufaaaa. Nem pangarés nem bandidos nem mocinhos. Apenas um último suspiro, que outros textos urgem.

A ladeira era tão íngreme que precisávamos subir em zigue zague para não cair. Encontrar a inclinação certa levava tempo. Era uma favela chic, uma espécie de vila. Animada, a comunidade vivia em festa. Estava na moda fazer exposições de temas ordinários. Coleção de isqueiros, chaveiros, pentes. Síndrome de nostalgia do mundo antigo. Artigos do dia-a-dia viraram relíquias. Um creme de barbear, por exemplo, causava ao mesmo tempo espanto, reverência e uma certa coceira na boca, vontade de rir que vinha lá do fundo da garganta. Fazer a barba pra quê, meu Deus.