terça-feira, 24 de novembro de 2009

Andarilhos SA

O meu marido e eu agora dividimos o carro, o que quer dizer que de vez em quando um ou outro fica a pé. Hoje foi a minha vez. Como ele precisava das quatro rodas e a única coisa que eu precisaria fazer fora do meu home office (chique, isso) era ir ao supermercado (não tão chique), dei a vez. Decidi ir a pé. Seria bom mesmo fazer algum exercício aeróbico.

Meti a minha calça de yoga, um tênis e um boné, me alonguei, gritei há! e fui. Até o supermercado são mais ou menos vinte minutos de caminhada e o trajeto, em ruas residenciais e arborizadas, é dos mais agradáveis. Apesar do calor, foi um passeio gostoso e me perguntei por que não faço isso mais vezes. Ora bolas, porque é muito mais cômodo sentar a bunda no carro e ligar o ar condicionado.

Mandei entregar as compras e cheguei em casa cheia de orgulho de mim mesma. Não só por ter feito exercício, mas também por ter economizado um pouco de gás carbônico. Não seria bom se mais gente fizesse o mesmo? Então pensei, é claro, em fazer um livro sobre o assunto. Tenho muito pouca imaginação para pensar em outras coisas.

O livro seria um guia do andarilho e cada bairro teria o seu, com dicas dos melhores atalhos e rotas para os adeptos do tênis. Se o ciclistas já têm os seus clubinhos, por que não criar os clubinhos dos andarilhos? O projeto poderia ser patrocinado por marcas esportivas e uma consultora de moda poderia entrar em ação para atender as mulheres revoltadas com a falta de glamour da proposta. Ok, não dá para ficar linda e maquiada e perfumada e de salto alto assim, mas dá para fazer um charme com um bom shortinho e um par de tênis bacana, dá não? E afinal de contas, gente, essa vida de glamour 24 horas só existe nas novelas! Afe.

Agora só falta descobrir como passar do Jardim Oceânico para o Downtown a pé. Marido e eu já tentamos bater esse recorde mas paramos na altura do Hortifruti. Lá tem um balsa que atravessa o canal, mas seu uso é reservado apenas aos moradores do condomínio ladeado pelo mesmo. Decepção. Subir o viaduto ficou fora de cogitação. Aí é falta de glamour demais.

O bom de ser freelancer sem editor é poder ter essas idéias de publicações variadas e não precisar levá-las adiante. A não ser vocês seis, ninguém vai saber disso e portanto não haverá cobranças. Nem guias.
Já se alguém aí se habilitar a participar de alguma forma, estamos a postos. Ou não. Ai, meninos, tá tão quente...

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O sol do meio-dia




Que eu queria ser escritora antes de ser jornalista vocês já sabem, o que vocês não sabem é que antes disso o que eu queria mesmo era ser sapateadora. Fiz sapateado por oito anos e cheguei a ser sondada para integrar um grupo profissional, mas a faculdade e a precaução (ou covardia, dependendo do ponto de vista) falaram mais alto.

Continuei os meus step hills e pull backs por puro hobby até que a minha coluna deu pau e tive que parar por um bom tempo, tempo que com o tempo se tornou pra sempre. A causa da encrenca toda não foi o sapateado, obviamente, o culpado foi mesmo o sistema nervoso. Tive LER, doença típica de jornalistas, pianistas, caixas de banco e outros que insistem em pensar mais rápido do que suas mãos. Fiquei de castigo e tive que trocar as aulas de improvisação por sessões longas e cheias de torturas do RPG – hoje tenho certeza que quem inventou essa vertente da fisioterapia era sádico. E, claro, tenho certeza também que sou masoquista, porque cumpri o tratamento à risca por longos dois anos. A tendinite se foi e, como vocês já devem estar imaginando, nunca mais voltei. Nem ao RPG nem ao sapateado. Mas nunca perco as esperanças. Ainda acho que um dia volto. Ao sapateado, gente, não ao RPG.

No último domingo as minhas esperanças aumentaram. Enquanto eu ainda me debatia com a matéria infeliz da Isto É, resolvi caminhar pelo Leblon para espairecer. Eis que aparece então em cena Leonardo Sandoval, o carinha da foto e também autor do incrível clipe de som que pude gravar porque agora sou muito high tec mas não pude postar porque o blogger não é tão high tec assim. Estou tentando colocar em algum lugar da rede mas tudo isso é muito difícil pra mim, crianças.

Leonardo tem 21 anos, é integrante da Companhia de Sapateado Steven Harper (com quem já fiz aula), dá aula de sapateado no Pavão Pavãozinho e, nos finais de semana, coloca um pequeno tablado na calçada em frente ao Rio Design Leblon e solta o verbo das suas chapinhas Capezio.

Coisa fina. Debaixo de um sol a pino, estava lá um tap da melhor qualidade, com todos os sincopados a que se tem direito. Fã de Jason Samuels, Chloe Arnold e The Nicolas Brother, Leonardo me garantiu que sapatear é como andar de bicicleta. “Você nunca esquece como se faz um shufle”, disse. Trocamos telefones. Ele disse que quando arrumasse um espaço para dar aulas entraria em contato comigo. Ânimo. O domingo ficou muito melhor.

p.s I Para quem não pescou, o título desse post é uma homenagem ao filme O sol da meia noite, com Sammy Davis Jr, que infelizmente já deixou saudades.

p.s. II Acabei de colocar o clipe no som no 4shared. Você pode baixar aqui É rápido e o som vale a pena!

domingo, 8 de novembro de 2009

Isto É jornalismo?

Respirem fundo, crianças, que a história é um tanto longa e triste:

Demorei muito tempo, mais do que devia, a ter coragem de me apresentar como escritora. Por muito tempo, quando precisava preencher algum cadastro, jogava lá no espaço em branco que vinha depois de “profissão”: jornalista. Afinal, é essa a minha formação e já trabalhei o bastante na área para continuar me considerando como tal. Mas a verdade é que nunca me senti jornalista na alma.

Certa vez, fazendo uma matéria com o já falecido Manuel Brito, ex-dono do JB, sentei para conversar um pouco sobre o meu personagem com Wilson Figueiredo, então um dos melhores colunistas do jornal. A minha tenra idade de estagiária, no entanto, deve ter lhe inspirado um certo comportamento paternal. Quando eu menos esperava, me perguntou por que eu havia escolhido o jornalismo. “Porque gosto de escrever”, respondi imediatamente. “Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra!”, ele rebateu. O tempo passa e voa e ele estava coberto de razão.

Quando me formei, não vou dizer há quantos anos, era cheia de ideais. A minha formatura, aliás, foi das mais lindas e vanguardistas da PUC. Nos formamos em pleno Pilotis, com faixas coloridas ao alto decorando o cenário de nosso talk show. Organizamos uma rodada de entrevistas com os professores que mais gostávamos e fizemos uma espécie de programa piloto de TV. Nada disso foi filmado, é claro, porque também éramos, ainda, jovens universitários ingênuos e um tanto desligados. Imperdoável descuido. Adoraria rever aquele momento. Talvez assim eu pudesse, de alguma forma, recuperar aquele afã de mudar o mundo através do jornalismo.

Aos poucos, no entanto, entre uma e outra redação, entre uma e outra reportagem, o talk show idealista foi se desmanchando na minha memória. O embate com a irritante e insistente realidade acabou fazendo com que eu me virasse, tal qual planta buscando a fotossíntese, para a seara editorial. Ali eu enxergava mais o sol e respirava mais ar puro. E, principalmente, ali eu teria condições de ter mais cuidado com o que escrevia. Ao me recusar a continuar vendendo o corpitcho a deadlines perigosos, eu poderia me dar ao luxo de fazer pesquisas decentes e, assim, evitar erros indecentes.

Hoje é com certo alívio que percebo essa guinada. Sou imensamente mais feliz sabendo que escrevi A bela menina e não a reportagem da Isto É dessa semana, com o infeliz título "A princesa do tráfico". Do meu lado do balcão, por exemplo, não vendi nenhuma das seguintes informações:

“Sem mesada suficiente para bancar o vício, ela chegou a tramar o próprio seqüestro para extorquir dinheiro da família”

Quando Ana Karina, a bela menina como vocês já sabem, “tramou o próprio seqüestro”, ela estava sendo convencida por um traficante de drogas dos mais perigosos na época. Gringo tinha mais de cem anos de pena nas costas e gostava de cobrar cachê pelas entrevistas quando era preso. E o dinheiro não era para sustentar o vício. Ana tinha então quinze anos e ainda (ainda) não era viciada. Se tornaria viciada depois do seqüestro, do estupro e de todas as acusações que caíram na sua cabeça adolescente – adolescente, diga-se, que queria era fugir de casa e das confusões da mãe, essa sim já uma dependente química.

“Ana costumava subir os morros de salto alto, usando roupas da grife francesa Dior, uma de suas preferidas. Passou a roubar jóias da família para trocar por drogas."

Se o jornalista tivesse lido o livro, saberia que isso não é verdade. As jóias que viraram pó eram da própria Ana, jóias de família que ela, se não tivesse passando por tanto sofrimento, teria conseguido guardar e passar adiante para as suas filhas. Só por curiosidade, o que o livro diz é o seguinte:

“O cordão era de ouro e trazia penduradas várias medalhas, também de ouro. Havia sido da minha bisavó, e minha avó me dera provavelmente em algum aniversário. Devia esperar que eu continuasse a tradição da família, passando um dia esse colar para a minha filha. Antes disso, muito antes, as medalhas começaram a virar cocaína malhada nas mãos do piscineiro do condomínio. Eram muito vagabundos aqueles papéis, eu devia ter pegado o meu dinheiro de volta quando aprendi a comprar cocaína de verdade. Em pouco tempo, cheirei o cordão inteiro. As coisas já tinham começado a perder o valor.”

Um pouco diferente, não?

Eu podia dizer ainda que Ana não usou heroína e que não tem mais nenhuma lesão no cérebro. Ou que o Gringo não liderava o tráfico do Vidigal. Era uruguaio e não tinha a menor intimidade com os chefões cariocas. Mas pra quê? As tintas são irredutíveis, radicais, irremediáveis.

Perceber que a matéria, no fim, nos leva à conclusão de que Ana foi uma vítima do vício e não um algoz da própria família, infelizmente, não apaga os erros anteriores. E esses são mais alguns deslizes involuntários, vamos dizer assim para sermos bacanas, adicionados à sua nada pequena coleção. Uma pena. O jornalismo com o qual eu sonhava na faculdade era muito melhor.

Para quem quiser acompanhar de perto esse imbróglio, o blog da Ana é A bela menina do cachorrinho.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

TPM

Ok, meninos, vocês venceram. Eu, mulherzinha, escritorazinha, mortalzinha, admito: tenho TPM. Sim, também carrego nas costas essa sigla que incha, cansa, lesa o cérebro, dói, irrita e transforma o mais cor-de-rosa dos mundos em uma solitária escura e enlouquecedora. Com um cruel detalhe: nessa solitária também são jogados maridos inocentes.
A mulherzinha aqui, muito muderna, lida, analisada e dada às mais diversas relativizações, não acreditava muito nas três letras perigosas e sempre achou muito machistas as piadas a respeito. No fundo tinha vontade de, com os olhos já vermelhos de chorar porque acabou o cotonete ou porque não conseguiu encontrar um par de meias, inflar o peito e urrar com alguma saliva projetada: “TPM é o cacete, seus merdas!”
Mas no domingo passado, esperando mais uma vez o meu entrevistado, que costuma se atrasar, comecei a folhear o meu caderno de anotações com um insuspeitável mau humor – logo atribuído, logicamente, ao atraso do tenente. Cumprir horário, afinal, não é a primeira coisa que um militar aprende, gente?
Então eis que esbarro no seguinte esboço de poesia, escrito em letrinha miúda:

Mau humor da porra
Porra nenhuma
se resolve
Saco de filó
E te olho ó
de lado
Sobrancelha levantada
desconfiada
cansada
e só.

Achei tudo muito familiar. Era a mesma sensação que eu estava sentindo naquele momento, e a data não me deixava nenhuma rota de fuga: tal desabafo pseudo poético havia sido escrito há, adivinhem, um mês. Merda.
Pronto, falei. Mas e daí? Tão olhando o quê? Nunca viram? Ninguém aí tem mais o que fazer, não?