segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Alongar para ter coragem

(da série ioga para maiores)

Hoje senti minhas pernas querendo andar sozinhas, longe de mim, livres de mim. Desfeitas de mim. Senti descolarem das coxas feixes rebeldes de músculos. Foram passear, eles, os músculos. Junto com poeira velha e crenças grudentas. Uma dessas é aquela que acredita poder controlar todos os passos. É centralizadora, ela, a crença que puxa tudo pra si como se fosse responsável pelo mundo. Bobagem. Mal sabe ela que as pernas, todas elas, nossas e dos outros, andam sempre sozinhas, mesmo que a gente não veja um milímetro de movimento entre as articulações.

Controle temos apenas, e olhe lá, da inteireza do nosso corpo. Mas esse, ao se relacionar com outros corpos, perde o controle de todo o resto. Sobra então apenas a necessidade da atenção, do cuidado, da observação. Pouca gente sabe, mas ser iogue não é estar sempre num estado zen abobado. Ao contrário, é estar alerta. É estar conhecendo-se atentamente por dentro e, em conseqüência, lidando melhor com o que vem de fora.

É admirar as pernas fugirem e correrem sozinhas, por exemplo, libertas, felizes, indo em direção ao acaso e a tudo aquilo que não é controlável e que por isso mesmo, aqui e ali, é confundido com frustração. Alongar muito respirando bem fundo também é flexibilizar com coragem, indo simplesmente, para variar um pouco, em direção à vida e não a essa ou aquela meta. Porque a vida anda sempre pra frente e nunca olha pra trás.

Estrada é isso. Pernas bambas fugindo de nós.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Varejando



Acabei de colocar essa imagem linda no meu site e quis dividir com vocês também. Esse é o book do projeto O Grande Caldo, primeira exposição multimídia da artista plástica Adriana Varejão, a ser produzida pelo diretor Lula Buarque de Hollanda.
Fiz esse trabalho no final do ano passado, vocês cinco se lembram, e carrego ainda como sequela uma profundo espanto pelo universo dessa artista. Meu próximo projeto de viagem é Inhotim, em BH, onde reina um pavilhão só dela. Conto os dias.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

De como carregar um piano


(Métodos e modos de dobrar)

Como ninguém lê esse blog, continua difícil para algumas pessoas entender o que faço da vida. Profissionalmente, diga-se. Enquanto termino o livro do militar, já entrevisto uma vez por semana meu próximo personagem, dono de um restaurante italiano tradicional do Rio. Sim, chamo meus biografados de personagens. A ficção é feita de fatos muito objetivos. Também é fato concreto que me misturo com eles e empresto um pouco de mim às suas histórias enquanto levo pra casa seus aprendizados. Escrever, como entrevistar, é ato coletivo, é escambo do bom.

Mas isso é muito abstrato e subjetivo para alguns contratantes, meio aflitos com aquele processo de entrevistas que parece não ter foco nem objetivo. Eles precisam entender como aquilo pode um dia virar livro, e aí me vejo, sempre, como diria o militar (eu disse que a mistura acontece), numa situação “pastosa”. Perguntem para a linguística a origem dessa expressão. Eu não tenho a menor idéia e não tive muito espaço para perguntar. Esse biografado, o militar, ao contrário do dono de restaurante, é metódico e não gosta de sair do seu sumário pré-elaborado.

Nessa hora em que me perguntam sobre o meu processo criativo, provavelmente preocupados com o adiantamento já pago, tento explicar que primeiro deixo as entrevistas acontecerem meio livremente, com espaço para desvios, atalhos, retornos. É quando tento entender qual é a verdadeira intenção do personagem. Muita gente por aí quer escrever um livro, parece ser um rito de passagem como casar ou jogar o capelo pra cima, mas nem todos tem uma idéia muito exata do que o tal livro poderia dizer.

Então entro eu, escritora de aluguel mui suspeita, para desfiar o novelo. Costuma dar certo porque a entrevista, com seu setting quase psicanalítico, é sempre muito reveladora. A entrevista é como uma boa aluna: ela repassa a matéria, faz um resumo e acaba encontrando, naturalmente, as matérias que cairão na prova. É com um interlocutor que o personagem-autor se revela, descobrindo, na interação e no diálogo, o que realmente lhe importa.

É a partir daí que acaba o que era doce e eu, que até então curtia apenas o gravador ligado e a incrível singularidade dos seres humanos, começo a carregar o piano. Leio longos depoimentos, porque é melhor sobrar assunto do que faltar, ficho todos eles, organizo os temas, penso a estrutura do livro. Só então, depois de muito planejamento, canetas coloridas e post its indicando caminhos, é que boto a mão na massa e começo a escrever.

Mas vai explicar isso para um contratante desconfiado. E, verdade seja dita, entendo a insegurança. Eu, se me contratasse, também ficaria muito preocupada.

sábado, 5 de fevereiro de 2011





Marido brincando com o aplicativo da Lomo.