domingo, 30 de maio de 2010

Livro, livro meu



Pode não parecer, mas a minha profissão ainda é um tanto exótica. Difícil de regulamentar, de mensurar custos, de estabelecer contratos e créditos, de receber pelo combinado no prazo correto e de lucrar. No entanto, na hora em que uma pessoa descobre o que faço da vida, surge um inexplicável vínculo íntimo, como se nessa hora ela descobrisse que, além de eu ter a profissão mais acessível do mundo, ainda torcemos para o mesmo time e para a mesma escola de samba.

Então, subitamente, as regras e convenções de trabalho entram em suspenso e ser escritora freelancer passa a ser o mesmo que pertencer a uma espécie de seita criada especialmente para ajudar todos aqueles que tem um livro para publicar ou que querem contar sua história numa biografia. E não são poucas essas pessoas. O problema é que, por mais interessante que toda história de vida seja (e acredito piamente que todas elas são), nem todas são interessantes editorialmente. O que quer dizer que nem todas tem chances de serem publicadas, ou ainda que não tenho bola de cristal para saber o que vai virar ou não um best-seller.

Posso ter algum olho clínico já um pouco treinado, é claro, mas não sou mancomunada com o povo que escolhe os Jabutis nem participo de reuniões secretas do Pen Clube. O que tenho é algum conhecimento aqui e ali, o que me permitiu por exemplo levar o original do livro da Ana para a Ediouro, mas só enfiei aquelas 257 páginas num envelope e rumei para Bonsucesso no táxi mais caro de todos os tempos porque tinha plena confiança no potencial da história. Eu sabia que ali tinha tempero e que o editor, que eu já conhecia, poderia curtir. Deu certo e o resto da história vocês seis, felizmente, já sabem.

Mas nada disso sobe à superfície nesses encontros amenos da minha vida e volta e meia volto pra casa com textos para ler e, quem sabe, editar e publicar. São noites angustiadas as que se seguem. Atualmente, por exemplo, tenho na minha mesa de cabeceira uma biografia de 250 páginas que aceitei ler porque queria de fato poder ajudar o autor e porque, no fundo, no fundo, acho mesmo que todo mundo pode ser publicado. Mas as leituras, infelizmente, insistem em me dizer o contrário. Todas as histórias são interessantes, sim, mas daí a serem publicadas é uma questão que só os deuses editoriais responderiam, se existissem.

Enquanto não resolvo tais dilemas, penso em mil coisas. Umas delas é criar um selo editorial especializado em histórias de gente comum, em não-celebridades, em pessoas que não precisaram cruzar as Américas numa bicicleta nem descobrir o modus operandi dos gafanhotos para se considerarem dignas de algum crédito, de um rótulo qualquer do fait-divers que organiza a nossa existência. Pessoas que, como diria Charles Dana, criador do jornal The Sun, exemplo clássico de imprensa sensacionalista, foram mordidas por um cão – e não o contrário. Seria um selo, enfim, especializado em seres mortais, algo como Rame Rame publicações porque jamais podemos perder o bom humor.

Outra saída seria esquecer o mercado, editar todos esses livros e levá-los para editoras que publicam sob encomenda, a custos nem tão altos, e ainda distribuem os livros xodós com muita sobriedade. Seria um nicho, sem dúvida. Mas nem todas as pessoas físicas tem condições de pagar pelo meu trabalho de copidesque e nem todo escritor freelancer quer ficar alijado das prateleiras da Travessa pra sempre.

Então volto à leitura, pensando no texto que vou ter que escrever no dia seguinte para o projeto do momento. Capaz de eu misturar as histórias e incluir reflexões filosóficas profundas no livro do militar objetivo.

Talvez as pessoas tenham razão: meu trabalho é diferente mas, de tão dado aos caos, muito humano. Logo muito próximo, muito acessível, muito do tipo que faz todo mundo querer tirar uma casquinha. Pena que a casquinha vem sem seguro e nem sempre garante a bola de sorvete. Muito menos a cobertura.

Bom domingo, crianças. Pensem nas suas futuras biografias e peçam uma banana split por mim.

sábado, 15 de maio de 2010

Pronto, falei



Agora que já saiu na imprensa posso falar. Momento histórico, meninos. Um dos livros que venho escrevendo (está na reta final) é sobre o estilo de vida carioca inspirado em Ipanema. Entenda-se por estilo de vida aqui a maneira de ver o mundo, de lidar com o corpo, de cuidar da saúde, de não julgar demais as atitudes alheias. Isso é Ipanema: alma livre, pegadas sensatas, corpo enxuto.

Quem assina é Oskar Metsavaht, da Osklen, com quem tive o prazer de conviver por um tempinho no ano passado. Sim, vocês seis aí já sacaram: é ele o gentleman de Ipanema. No seu apartamento, com uma vista alucinante do Arpoador, conversamos de tudo um pouco, de A a Z, até eu me dar conta de que a cabeça criativa do Oskar é como a internet: as idéias começam aqui, depois dão um pulo lá na frente, cambam para a direita, dão meia volta, derrapam e pronto, eis mais um insight. Puro hipertexto. Confesso que muitas vezes me perguntei de onde, no meio daquela barafunda viajante que eu reconhecia rindo sozinha ao ler os depoimentos, eu poderia tirar algo coerente o suficiente para ser chamado de livro.

Mas não é que deu? Oskar também sabe seguir a onda: deixou Ipanema falar lá da janela e mostrou o caminho desse estilo de vida que anda cativando gente do mundo inteiro. A idéia do projeto, aliás, veio de um produtor americano, sedento pelo nosso colorido e pela possibilidade de vender o livro em Miami, endereço da mais nova loja da Osklen. Tem tudo a ver.

Quanto estive em Miami há exatamente dez anos, deixei nas minhas pegadas de all star todos os preconceitos batidos de mestranda neo-hippie da UFRJ que até então carregava na mochila. O queixo balançou, caiu discretamente e, garanto, adorei Miami. Claro que ela pede um cartão de crédito à altura, mas no meio de um transe entre uma Victoria’s Secret e uma Abercrombie dá para fugir dos shoppings e passear sentindo a maresia em South Miami, encher os olhos com a arquitetura de Philippe Starck no Hotel Delano ou com os jardins deslumbrantes da Mansão Viscaya, em Coconut Grove. Entre um programa e outro, uma enorme e deliciosa Ceasar Salad, daquelas que nem o Outback faz igual.

Enquanto o livro não é lançado, fico sonhando com um retorno a Miami. Só não sei se vai dar para comprar alguma roupitcha na Osklen. Lembrem-se, crianças, sou uma escritora freelancer. E ainda não encontrei o meu Harry Potter. Raios.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O psicopata mora ao lado



Eu nunca fui muito de televisão. Quando era criança acho que nem sabia onde ela ficava, mais interessada que estava em dar comida para os cachorros, levar couve para o coelho, ver se as codornas tinha botado ovo e apertar tanto os porquinhos da índia que sinceramente não sei como eles sobreviviam. Eu não morava numa fazenda, era apenas um sítio, e por isso mesmo vivia dizendo que, quando crescesse, queria casar com um fazendeiro rico.

O fazendeiro não apareceu e acabei indo morar com um roteirista. Que diferença. Fora o meu papagaio, a televisão é hoje a grande estrela da casa. E de lá, surpresa, começaram a sair coisas boas. Filmes, muitos, mas especialmente seriados. Eu, que até poucos anos atrás mal sabia que Sony também era um canal além de uma marca, me vi viciada em uma penca de seriados.

Comecei com Mad About You. Na época escrevia a minha dissertação de mestrado e a hora do seriado era mágica, sagrada e redentora. Era quando eu descansava dos meus rocamboles teóricos e ainda aproveitava para fazer um lanchinho. Telefones eu não atendia nem a pau e quem tocasse a campainha naquela hora levava bala. Depois vieram Friends, The Nanny, Seinfeld, Medium, Sopranos, Mad Men. Com exceção de The Nanny e Medium, vi todos, to-dos os episódios desses seriados (estou esperando ansiosamente a segunda temporada de Mad Men).Fiquei tão nerd que algumas vezes cheguei a citar diálogos do Friends em conversas com amigos, só para me fazer explicar melhor – ainda salvo a minha pele lembrando que tenho mestrado ou agora é tarde?

Teve ER também, mas depois que meus pais tiveram o mau gosto de se operarem como que por hábito larguei. Mesmo hoje, com os dois bem comportados, não tenho mais vontade de ver. Por que tem sempre alguém com câncer nesses roteiros, meninos? Tsc, tsc, que falta de imaginação.

Mas nenhum desses seriados, até hoje, me fez sofrer tanto quanto Dexter. Dexter é um psicopata do bem, se é que podemos falar assim. Aos 3 anos foi adotado por um policial. Na adolescência, começou a manifestar seu comportamento psicopata matando um cachorro do vizinho. Quando o pai descobriu, se justificou dizendo que o cachorro latia demais. Ops. Sabendo a encrenca que botara para dentro de casa, o policial Harry começou a treinar o filho, ensinando-o a controlar seus instintos, a fingir empatia pelos outros e extravasar seus impulsos violentos com a caça de animais de grande porte.
Antes de morrer, quando Dexter já era um adulto bem treinado, deu o último conselho: se tiver que matar, mate apenas quem merece.

Esse, basicamente, era o código de conduta do Harry, o Harry’s Code. Com isso deu-se um serial killer competente, à prova de evidências e versado em sangue. Detalhe: Dexter trabalha para a polícia americana e sua irmã também é policial. Mas ninguém sabe que por trás daquela carinha de bebê Johnson tem um monstro capaz de matar com alguma sofisticação aqueles que a justiça não consegue emendar.

Só isso já é bastante pano para manga. Mas o pior é o que o seriado te joga na cara e você não tem tempo nem de fechar os olhos: os psicopatas são irreconhecíveis tanto no convívio social como entre quatro paredes. Um deles pode, de fato, morar ao lado e você nem suspeitar. O que nos faz pensar em como conhecemos pouco as pessoas à nossa volta, e a verdade incômoda é que nunca conheceremos o suficiente.

Não é cultura do medo isso, é um fato. Nem todos psicopatas são serial killers, há muitos psicopatas na publicidade, na política, na justiça. São aqueles que não conseguem ter empatia pelo outro e, por isso, só pensam em si. O narcisismo, aliás, é uma espécie de parente da psicopatia. Só eu, que praticamente tenho o mesmo círculo de relacionamentos que um monge, poderia apontar meus dedinhos em direção a alguns narcisistas clássicos.

Ou seja, estamos bem servidos. Se vocês quiserem perder o sono como eu, experimentem ver Dexter.