quarta-feira, 24 de junho de 2009

Elogio é bom e a gente gosta

Aconteceu mais uma vez. Abri a caixa postal e estava lá, inquestionável, indelével, irresistível: mais um elogio ao livro Por trás da Entrevista! Se vocês soubessem como isso acalenta o frágil coração escritor, meninos!
Quem escreve dessa vez é o jornalista Marcos Lessa que, obra ou não do acaso, já tem de cara, no sobrenome, pedigree de bom jornalismo. Diz ele que esbarrou no meu livro numa livraria perto de casa, que adorou a entrevista com o Joel Silveira e que gostaria de me dar os parabéns pela idéia da publicação e pela indicação ao Jabuti. Ah, sim, e que o tema deveria ser mais procurado por atuais e futuros jornalistas. Obrigada, Marcos. A idéia é essa.
Pelas minhas contas, aliás, o livro deve estar indo bem nas vendas. Assim que ele foi lançado, recebi um cheque gordo da Record. Depois de pular por toda a casa, comemorar cinco vezes e gastar todo o dindim em contas atrasadas, veio a puxada de tapete. Recebi, belo dia, uma prestação de contas que não só dizia que eu não teria mais nada a receber, como também que eu estava devendo à editora!
Depois de tomar uma aspirina para evitar um infarto, liguei para o setor de Direitos Autorais e eles me explicaram tudo. Ou ao menos tentaram. Ouvi, ainda com uma leve dor no peito, que eles pagam logo ao autor o valor correspondente ao primeiro lote de livros enviados às livrarias. Se os livros forem vendidos de primeira, negócio encerrado. Mas se as prateleiras criarem um pouquinho de pó e os livros do tal lote começarem a ser devolvidos, o acerto de contas entra em ação. E o que acontece é que o saldo subitamente devedor do autor vai sendo descontado nas próximas prestações de contas trimestrais, quando os livros vendidos no período compensam aqueles devolvidos. Portanto não é preciso desembolsar o dinheirinho já recebido (e gasto, diga-se), mas o autor não recebe mais até que a conta esteja equilibrada. Entenderam? Eu também não, mas assim é.
No fundo acho essa uma atitude simpática da editora, que dá ao autor a oportunidade de comemorar a publicação em grande estilo. Só lamento que não tenham me avisado de nada disso antes, para que eu não corresse o risco de gastar todo o chequinho no Pronto Cor.
Mas o que vale é que a minha dívida está diminuindo e isso é um ótimo sinal. Sinal de que os livros estão saindo das prateleiras e, logo, logo, o meu saldo editorial pode ficar azulzinho de novo. E se enquanto isso o livro continuar ajudando jornalistas como o Marcos, é sinal de que a vida pode ser bela e que nada mais importa.
Em tempo: Lessa também tem um blog. No lessa27.blogspot.com ele fala de jornalismo e de políticas públicas (ou a falta delas) com fervor. Cita inclusive o Jailson de Sousa, do Observatório de Favelas, quem tive o prazer de conhecer quando editei Favela, Alegria e Dor na Cidade (X Brasil e Senac Rio). Lessa também fez o dever de casa. Entrevistou João Ubaldo Ribeiro e Luis Fernando Veríssimo, em duas conversas agradáveis e divertidas. Fica aqui a dica de leitura.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Mais um!

Deve ter sido efeito colateral da Makita. Makita, pra quem não sabe, é um instrumento de tortura usado para fatiar cérebros de escritores incautos. Os pedreiros dizem que ele serve para cortar cerâmica. Na verdade, Makita é a marca da máquina. Também existem os ditos cortadores de pedra da Bosch, por exemplo. Mas é mentira isso de cortar pedra. Mentira! Ninguém fala sobre isso, mas a verdade é que essas ferramentas sádicas são especialmente criadas para fazer pequenos furos na massa cinzenta. O barulho – ziiiiiiiiim, zeiiiiiiim – vai aumentando na mesma proporção em que ganham profundidade os buracos na caixa craniana. Quando você menos percebe, com o restinho de consciência boiando na sua sopa mental, buracos negros de tamanhos variados já engoliram sua memória, sua capacidade de concentração, seu raciocínio, sua paciência e, principalmente, a sua noção do perigo.
Eu devia estar assim, cambaleante, vista turva, sonolenta, com o meu bom senso perdido em algum lugar dos meus neurônios esburacados quando, no sábado passado, aceitei fazer mais um livro. Disse, impulsivamente, sim, sim, sim! Só depois de dois dias entendi mais ou menos o que tinha acontecido. Mas aí já era tarde. Engoli poeira demais, crianças.
Então é isso. São três livros em andamento. E só não me jogo da varanda porque ela fica apenas no primeiro andar e porque quem me chamou para esse trabalho foi a Heloisa Buarque, minha eterna mestra, de quem estava com saudades há tempos. Com ela sinto que estou realmente aprendendo, aprendendo pra valer. E esse aprendizado não quebra, não faz barulho nem cria poeira. Ele é à prova de qualquer Makita.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Sublime, uma obra!

Vocês leram o mesmo que eu? Eu disse que essa obra da cozinha era uma coisa sublime?
(Pausa para o engasgo)
Estou aqui roxa de falta de ar e ainda tenho que ler isso? Vocês só podem estar de brincadeira comigo!
Não, crianças. Nenhuma obra em casa é sublime por mais de duas semanas, mesmo aquelas que têm prazo oficial de três. No final da segunda semana você já brigou com o encarregado das obras porque ele e sua equipe chegam para trabalhar ao meio dia (quando chegam) e já não quer mais escolher cor de rejunte coisa nenhuma. Você quer é atirar o rejunte na cara de todos os pedreiros, principalmente no chefe deles. Você quer mandá-los lamber toda a poeira antes de recolocar os armários de qualquer maneira. Que eles fiquem de cabeça pra baixo, está óóótimo. Também não importa o batente torto nem o acabamento questionável da azulejaria. A prioridade é acabar com a tortura preta da sujeira, com a poluição sonora debilitante e, principalmente, com as dores de cabeça que inevitavelmente acompanham o trabalho de um profissional malandro.
Enquanto isso a escritora freelancer sofre. Quem consegue escrever com esse stress, cambada?
Acudam. Mandem telefones de pedreiros, marceneiros, pintores. Está aberto o processo de recrutamento e seleção para as próximas obras. As de 2020.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Estamos em obras

Finalmente conseguimos começar as obras da cozinha. Que felicidade! Que expectativa deliciosa essa de ver um piso todinho novo, paredes idem, tudo na mais perfeita harmonia estética, sem tintas descascadas e rachaduras polvilhadas por todo o ambiente. Que delícia respirar fundo e sentir as lambadas da poeira lá no fundo do nariz, fechar os olhos e escutar o barulho infernal do quebra-quebra, passar os dedos pelos rodapés e sentir a textura áspera do pó que, provavelmente, vai habitar o nosso lar doce lar por um bom tempo.
Isso sem falar na diversão que é levar toda a cozinha para a sala. Agora tenho certeza de que o insight do loft aconteceu na cabeça de uma pessoa que estava fazendo obras na sua cozinha. O sujeito estava lá, sentadão no sofá, ao lado da geladeira e, num momento divino em que faiscaram luzes nas suas sinapses nervosas, percebeu que precisava apenas esticar os braços para pegar mais uma cerveja. Depois olhou para o outro lado e viu que o seu fogão ficava muito belo e distinto ali, ao lado da janela. E a máquina de lavar perto do aparador? Um luxo! E... eureca! Estava criado o loft! Isso sim é arquitetura, crianças!
Bom, como o nosso loft fica no faroeste e não em NY, ele parece mais um favelão, mesmo. Ao menos é a impressão que dá quando passo correndo por ele, aos soluços, um só olho aberto. E também quando percebo, macarrão encomendado por telefone no colo, que não tenho a menor idéia de onde encontrar um garfo. Deve estar no meio da montanha de louça empilhada na mesa e coberta com uma coleção até então desconhecida de panos de pratos dos mais variados. Como a gente acumula tantos panos de prato, gente? Onde eles estavam esse tempo todo?
Bobagem, vocês dirão. Obra é assim mesmo, não é? Não, não, não é não, essa não é não, senhores, não, não! E sabem por que? Porque essa é a primeira obra que uma escritora freelancer e um roteirista recém contratado bancam em vôo solo, quer dizer, duplo. Não é lindo? Não é emocionante? Não é sublime?
Então. Vou tentar me lembrar disso amanhã, antes de tropeçar no microondas, fazer café na cafeteira com guardanapo no lugar do filtro e sentar no sofá coberto com lençóis para saborear um pão velho. Em cima de um prato de plástico.


P.s Não pensem que vocês vão se livrar dos catarrinhos. Eles continuam.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Quem quer abacaxiii?

Ahá! Acharam que eu ia desistir? Nananina-não, crianças. Aí vai mais um catarrinho, antes que vocês mudem de idéia. Ou que não mudem, sei lá. Ando tão confusa...

III

Era na Travessa Chinesa, n° 5. Um destes fast-foods chineses. Curioso comemorar o aniversário de um amigo japonês em um restaurante chinês. Já no táxi, o desespero de Duda por não achar o lugar. Sempre ficava muito nervoso nestas horas. Do outro lado da rua imunda, uma calçada escura cheia de estrangeiros dopados. Na saída do hotel, quando percebi que tinha esquecido tudo e me lembrei da pantera do outro lado da porta de madeira com uma única tranca, tremi e pedi um copo d’água para um colega que não voltou mais. Tinha ido comprar os comprimidos e acabou preso. Ainda lembro dos olhos dele, arregalados, incrédulos ao andamento da nova lei.
Na casa de folhas, que a gente chamava assim porque tapava as janelas com folhas grudadas a cola, nada disso acontecia. A droga, qualquer uma, era visita freqüente. Depois, com folhas grudadas no corpo por pura diversão, vinha a brincadeira do gol. Um goleiro, um jogador e uma bola. A bola era sempre o perdedor. Arremessado, geralmente se machucava.
Tudo isso a gente lembrou na Travessa Chinesa. Eu com a mesma mochila de Primeiros Socorros que a Quênia também usava. Não servia para nada, mas em cavalo dado não se olham os dentes, era o que se dizia. Era bom mesmo não olhar, porque deviam estar tão podres e fedidos quanto os becos e ruelas ali perto. Eu mesma não tomava banho há três dias. Ou o que eu achava que eram três dias. Já havia perdido a noção do tempo fazia muito tempo, ou algo parecido. Acho que contava os dias de acordo com os pesadelos da pantera. Ficavam piores a cada dia. Se ao menos a gente morresse logo de susto, antes de ser comido vivo por ela, negra, com os dentes molhados de saliva pedindo carne de mulher, sua preferida. Foi uma eternidade enquanto a porta de madeira agüentou.