terça-feira, 30 de março de 2010

Anota aí também

Perguntas inúteis também são perguntas, mesmo em dia de estreia do super acelerador de partículas que promete reproduzir o Big Bang:

Como um surdo que mora sozinho faz quando precisa acordar com despertador?
Se foi tão interessante ir à lua, por que os homens nunca mais repetiram a experiência?
Se o homem veio do macaco, por que ainda existem macacos?
O que os criacionistas fazem com os fósseis de dinossauros, jogam pra debaixo do tapete?
Por que dizem que os homens preferem as louras?
Se vivemos sempre atrás do novo, o novo não passa a ser sempre o mesmo?
Por que a gente perde tempo com tanta bobagem?
Como saber o que é e o que não é bobagem nessa vida boba?

Na semana santa vou a Paraty. Quem sabe lá, assistindo as tradicionais procissões da cidade, eu encontre alguma das respostas.
Boa Páscoa, crianças. Não exagerem no chocolate.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Alice e seus mistérios




Há livros que a gente lê quando criança e, apesar de virar a última página com dedinhos felizes e um suspiro de saudades antecipadas, não percebe ainda quão geniais eles são. Com Alice no País das Maravilhas foi assim. Li quando criança, com um pé na adolescência e outro ainda descalço e sujo de terra. Gostei tanto que batizei a minha boneca preferida de Alice e vivia dizendo que, quando tivesse uma filha, ela também teria esse nome.

Já mudei de idéia quanto ao nome da filha mas agora, relendo o livro na linda edição da Cosac Naify, percebi que ele é muito mais mirabolante e fantástico do que eu lembrava. Deve ser porque fantasia de criança não precisa de cogumelos nem de narguilé para voar, o que fazia daquele universo fantástico um mundo quase familiar.

Só que o livro é mais do que um sonho de criança. É também um desabafo. A cada vez que Alice se depara com uma criatura estranha que não sabe o que raios poderia ser uma menina e não responde de acordo com nenhuma convenção social aprendida na escola ou em casa, ela se sente perdida. E dá de cara com uma questão incômoda e nova para a sua idade. Afinal de contas, quem ela é e que mundo é esse?

Boa pergunta. Estamos sempre tendo que encolher ou crescer para tentar respondê-la. Às vezes a gente chora e inunda o ambiente, às vezes fica tão grande que não enxerga mais o pé. Mas tudo muda muito rápido, cenários e criaturas, e não dá tempo nem de tentar entender toda a maluquice.

Alice é sábia e aprendeu cedo:

_ Meu Deus, meu Deus, como está tudo esquisito hoje! E ainda ontem as coisas estavam tão normais... Será que mudei durante a noite? Deixe-me ver: será que eu era a mesma quando acordei hoje de manhã? Quase consigo me lembrar de ter me sentido um pouco diferente... Mas, se não sou a mesma, a questão seguinte é: Quem sou eu neste mundo? Ahá! Eis um grande mistério!

Ahá! Parem os relógios e tomem um chá. E deixem as deliciosas ilustrações de Luiz Zerbini fazerem o resto.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Falar ou não falar, eis a questão

"O que é importante é ter a alma na ponta dos lábios e estar pronto para partir."
Sêneca

Vocês seis aí já sabem que tenho uma paixão irrefreável pela filosofia. Mesmo já sendo uma macaca quase velha (ainda tenho auto-estima, garotos), venho pensando até em fazer uma segunda graduação. Não há matéria-prima mais fértil para um escritor do que as cambalhotas de Descartes e os golpes precisos de Foucault, por exemplo, autor da frase limpa, sem borrões: “Toda literatura é uma dança para enganar a morte”.

Como Sherazade, o escritor está sempre adiando o the end, o gran finale, o ponto final. O blog mesmo, construído no cimento do presente, do agora.com, também parece querer adiar o definitivo, as frases resistentes à tecla delete. Espécie de protesto contra o texto póstumo. Nada de post scriptum, vivemos mais os prefácios, inchados de pensamentos instantâneos que rechaçam, velozmente, qualquer coisa que se pareça com uma verdade insistente – ou que seja maior do que o espaço de um post.

Foucault, pensador e epistemólogo francês contemporâneo, dedicou boa parte da sua vida a pensar a resistência. Uma ironia ele mesmo ter sido levado pela Aids, invencível batalha. Mas deu tempo de explicar: resistir é não ser indiferente. É ser um amontoado de carne, sim, mas não indiferente ao que se passa nela e ao redor dela. É experimentar e vivenciar o que a atravessa. Na sua filosofia, esse era o lugar em que aquele que fala faz com que o dito se remeta a ele próprio, dizendo e marcando de verdade o que ele é. Em que ele encontra algo, finalmente, que não é diferente dele mesmo.O que é bem outra coisa do que ficar respondendo, histericamente, às demandas de fulano e beltrano. Em outras palavras, não ser indiferente é ser franco e assumir os riscos de tal perigo.

Mas vivemos muito bem com as mentiras. A Parrecia, espécie de jogo da verdade que emerge na democracia antiga, passa pelo cristianismo e é suprimida pela modernidade, é muito perigosa. É onde não é mais possível se omitir, mesmo que isso signifique, depois, se anular. Ou ter a morte decretada pelo imperador, algo como “Gostei dos seus conselhos, meu caro, agora se mate. Dou-lhe uma semana”. O filósofo Sêneca, por exemplo, foi um dos poucos conselheiros que sobreviveram à Nero – fez isso pedindo para matar-se antes.
Mais de vinte séculos depois, ainda parecemos ter medo de imperadores.

Fato é que a franqueza liberta, mas depois manda a conta. No entanto é assim que surge a autoria, como um cuidado de si e formação de si mesmo, como uma maneira de se dar as próprias leis e constituir o que importa no próprio conhecimento. É falando sem medo que crescemos e aparecemos. Isso é sinceridade. Mas também pode ser, como disse uma das alunas do curso que estou fazendo, um “sincericídio”.

Escolham seus times.

Quem achou que hoje escrevi grego acertou. É grego mesmo, mas grego do bão. E pode ser encontrado nas aulas do prof. Henrique Antoum, no Polo de Pensamento Contemporâneo. Recomendo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

De um dia para o outro

Escrever blog é meio perigoso. O texto sobe tão rápido para a rede que muitas vezes chega impulsivo, dado a arrependimentos. Lembro que na época da faculdade, em priscas eras, uma professora de técnicas de redação dizia ser muito importante deixar o texto dormir. De um dia para o outro, muita coisa muda. Você pode escrever algo que considera brilhante à noite e, na manhã seguinte, se envergonhar de um dia ter pensado possuir alguma intimidade com as palavras.Ela tinha razão, a professora. O problema é que hoje, em termos de produção criativa, ninguém mais tem tempo de dormir. Deixar o texto de molho de um dia para o outro é luxo para poucos.
E por que estou falando tudo isso? Porque, graças a Deus, ainda exercito esse luxo. O texto aí embaixo, por exemplo, foi escrito há séculos. Topei com ele por acaso nos meus arquivos e achei que, finalmente, ele merecia algum crédito. Saído de um longo coma, ele representa uma época que, ufa, já passou. Viva a liberdade. Viva os blogs.

"Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se."
Sêneca

Libertem-se, meninos.


Bananeira não

É duro escrever por encomenda, a verdade é essa. Principalmente se a encomenda for institucional, e não me perguntem o que é isso. Seguir um roteiro, um projeto ou qualquer outra fôrma pré-estabelecida pelo seu big boss é como tentar plantar bananeira algemado. Você tenta usar seu corpitcho, seu gingado, seus reflexos e até mesmo aquilo que chamam de criatividade, mas os braços não estão livres. Então você se estabaca. Cai de cara no chão. Seu texto volta cheio de senões e ressalvas, porque a proposta não está sendo cumprida. Não é que eles, os big bosses, não queiram que você encontre outras perspectivas de criação. Sim, eles querem algo ousado, sim, eles querem algo diferente, sim, eles querem um texto com “diferencial”. Mas onde já se viu plantar bananeira pra isso? Nananina-não. É preciso seguir o roteiro. É o que você já tinha entendido mas não queria compreender: eles querem algo criativo na língua deles. E o dicionário deles é bem diferente do seu.
Então você brocha. Repensa a vida. Cogita mandar o big boss pra puta que pariu (desculpem, crianças). Chega a pensar em largar tudo e, como diria Tom Wolfe, gigante do New Journalism, jogar tudo para o alto, alugar uma cabana e se entregar a ele, ao Grande Romance. E, com alguma sorte, retornar triunfante, transformado, vingado até.
Bem, tem o leite das crianças, você se lembra. Ou a ração do papagaio. Tem o dentista, o carro que vive mais na oficina do que na sua garagem, o supermercado. Whatever. Siga o seu big boss. Diga amém e guarde as bananeiras para mais tarde.