quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Com tarja ou sem tarja?

Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Não era a minha primeira reunião com um editor de peso, já havia tido várias outras, mas aquela era especial. Pela primeira vez eu emplacava uma biografia, uma história real que também levou muito da minha própria realidade porque meu estilo estava todo lá, sem rodeios nem disfarces. Entre a Ana e o editor Paulo Pires, numa mesinha de canto do café da Argumento, eu tentava eternizar o momento mentalmente. Mas não precisava ter me dado ao trabalho de tal esforço.

O livro foi assunto por cinco minutos. Em seguida, quem dominou a noite foi o Rivotril, calmante que, então eu já sabia, todo mundo tomava - menos eu. Naquela época eu ainda era natureba radical e acreditava profundamente nas propriedades terapêuticas do passiflorine. Tomava um todos os dias antes de dormir e gostava de recomendá-lo a qualquer ser vivo aparentemente ansioso que passasse pela minha frente. Indicava com fé mesmo, como quem indica um curandeiro milagroso, um pajé, um xamã do norte do Amazonas. Mas naquele dia, no banco de reserva dos ansiolíticos, me senti por demais deslocada.

Precisava fazer alguma coisa a respeito. Tinha a incômoda impressão de que, se não aderisse às tarjas pretas, ou perderia o bonde ou perderia a tchurma ou, o que era mais provável, me perderia em episódios de stress que insistiam em me assolar.

O tempo passou, esqueci o assunto, a vida andou, desandou e acabei parando num psiquiatra. Terminada a consulta, um papo rápido de vinte minutos em que só suei nas mãos, ruborizei e tive vontade de chorar porque costumo suar, ruborizar e ter vontade de chorar quando sou levada a falar dos meus problemas com estranhos (sou sensível, crianças!), a caneta foi sacada e pronto, estava lá, antes da rubrica e do carimbo, em letra obviamente ilegível: Ri-vo-tril. Ahá! Colegas, cheguei!

Depois a Ana me explicou que as gotas, as gotas sim é que eram o quente. Mas é claro que o médico me receitou comprimidos que fizeram o favor de me dar uma tontura completamente incompatível com as aulas de ioga e outros afazeres do dia-a-dia de uma pessoa razoavelmente normal, seja lá o que isso for.

Pedi perdão aos espíritos mentores do maracujá e voltei ao passiflorine. Até que, ao descobrir ser uma insone clássica, me deparei de novo com uma tarja coloridinha. Daquelas que pedem autógrafo no balcão do farmacêutico, o que, aliás, sempre achei muito charmoso. Receita controlada, gente, coisa de cachorro grande.

Seria tudo muito adulto mesmo se o nome do meu remédio não fosse uma piada típica de garotos cheios de espinha da sexta série. Acreditem se quiserem, mas o meu remedinho para curar a insônia, num tratamento de seis meses, é...Serenata! Não, não estou brincando. E também não estou brincando quando conto que o clínico, ao ser perguntado sobre os efeitos colaterais da serenata, deu um risinho de canto de boca e confessou: “No começo pode dar...insônia”.

Agora me digam, amiguinhos, estou ou não estou sofrendo bullying no fechado círculo das pantufas psicotrópicas?

É duro, crianças, é duro. Hora de escovar os dentes e tomar um passiflorine.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

No escuro

O Carnaval começou mal. Com o sinistro assassinato de Fred Pinheiro, nosso cenário cultural entrou alguns passos na penumbra. Diretor, iluminador, operador de luz e co-fundador do grupo de teatro Nós do Morro, Fred foi responsável pela iluminação de simplesmente todos os espetáculos encenados pela companhia, que já completou 20 anos. Também foi mentor do projeto de formação de técnicos da área.

Tive o prazer de conhecê-lo e entrevistá-lo para a realização do livro Nós do Morro 20 anos, lançado no ano passado. No casarão do Nós, no Vidigal, Fred explicou sua opção pela iluminação alternativa. O que antes era uma necessidade causada pela falta de recursos da companhia que insistia em acreditar na arte em plena favela, naquele momento, em que o grupo comemorava sua mais do que reconhecida ascensão, o alternativo era pura escolha. Trabalharam com farol de carro, lanterna, vela, candelabros. Era uma aposta na qualidade da iluminação nem muito aberta nem muito clara, numa linguagem de qualidade independente de equipamentos caros e luminescências exóticas. Tal posicionamento sempre escorregou com graça para o cenário, o figurino, o elenco, a direção, para a composição do espetáculo como um todo.

Era um resultado da persistente crença na arte. “Você pode ter toda a estrutura que o Nós do Morro tem em outro lugar, com outras pessoas, mas se essas pessoas não acreditarem que aquilo vai dar certo, não dará. É preciso acreditar no sonho”, ele me disse.

Continuo acreditando no sonho. Mas tenho pesadelos de vez em quando.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Admirável Livro Novo

E então escrevi um ponto antes mesmo de digitar a primeira palavra. Vontade impulsiva de concretizar projetos, fechar acordos, ir em frente com novas placas de sinalização na estrada de 2010.

O livro do gentleman está perto de ficar pronto, os depoimentos do militar já estão transcritos pela metade e ensaiam o momento de empostarem nova voz, outro projeto incrível à vista parece quase quase alinhavado. Enquanto isso, nesse ar rarefeito, a vida segue. Espantada às vezes por ver tanta coisa na agenda, impaciente outras tantas com tudo que ainda não se materializou, que não tingiu o preto no branco. Escrever é rascunhar eternamente.

Mas não pensem que o diagnóstico de insônia crônica me deixou meio deprê. Nada disso. Esperem eu entrar no mundo das pantufas psicotrópicas, queridos: escreverei borboletas e sambas.

Por enquanto, ando ainda com a boca meio aberta de assombro com o que soube ontem numa reunião com o braço direito do gentleman de Ipanema (sorry, meninos, a censura ainda não me permite dar nomes aos bois). Estão eles em plena negociação para trazer ao Brasil uma máquina de impressão de livros on demand. Mas não aos moldes do que a Ediouro já faz com a sua Singular, capaz de imprimir livros por encomenda de novos autores (gerindo a distribuição inclusive), reimprimir clássicos atemporais ou oferecer arquivos digitais na sua biblioteca.

A tal máquina de tecnologia alemã pode fazer tudo isso, mas com uma imbatível diferença: ela pode ficar a cada dia numa esquina. É máquina de acesso público, podendo ser transportada daqui para ali, de lá para cá. Pode estar hoje na praia do Pepê, por exemplo, e amanhã na Rua das Pedras, em Búzios.

A filosofia (ou poesia funcional, para usar um termo em voga) é a mesma da máquina de refrigerantes ou daquelas máquinas de jornais européias, com um brutal detalhe a seu favor: os livros são feitos na hora e saem estalando de frescos como pão francês de padaria. A pessoa escolhe o título que quer, paga o equivalente a um livro comprado numa livraria tradicional, espera alguns minutos e fim de sessão: sai um livro fresquinho pronto para ser carregado debaixo do braço a caminho de casa – ou da praia, da feira, do café da esquina. Com isso evita-se o desperdício de papel, o estoque que deprime qualquer autor decente (já assinei, horror dos horrores, contrato que autorizava a queima de estoque depois de determinado período em caso de encalhe da obra) e, last but not least, a falta de brecha para os independentes.

Não é bárbaro? Fiquei louca. Seu eu tivesse arregalado mais os olhos enquanto ouvia a novidade acho que teriam chamado um médico para checar minha tireóide. Eu mesma seria uma cliente em potencial da trapizonga culta e móvel. Livros como o do oficial da Aman, por exemplo, podem muito bem ser vendidos assim. Os quadrinhos do meu marido também. Os meus arroubos literários ainda não revelados idem.

Novos tempos. O futuro finalmente me interessa.