sexta-feira, 31 de julho de 2009

Nós todos



Fernando Mello da Costa, Guti Fraga, euzinha, Marta Porto e Zezé Silva no lançamento do livro Nós do Morro 20 anos, ontem, no Centro Cultural de Furnas, com direito a exposição comemorativa, mostra de curtas, quentão e uma pequena multidão de gente interessante.
Lançamento é sempre bão. É quando finalmente as costas param de sentir o peso do piano.
Parabéns para Nós!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Deu a louca na outra

Disse Armando Freitas Filho: “A felicidade também é feita de carne.”
Ele não sabe mas nesse dia salvou minha pelanca:


Rasgar o tecido
Estancar o sangramento com algodões
Olhar bem lá no fundo
de uma vezada só
(prender a respiração)
Fechar
Suturar
Desinfetar
Rezar muito depois


Afastar as costelas
Segurar o coração
Evitar as cócegas
Acompanhar a dança
Admirar o ritmo
Cuidar com as lágrimas
Fechar
Dar pontos
Enfaixar
Pedir a Deus que chame a enfermeira



Como virar do avesso
Instruções


Respire com um pulmão
e depois com o outro
Chore de tristeza com um olho
e de alegria com o outro
Junte os braços e os avise:
Vocês não tem nada um do outro
Ande para frente querendo andar para trás
(ou vice-versa)
Tome sorvete
pensando em café
(ou vice-versa)
Pense em deitar na calçada cansada
Durma em pé no metrô
Olhe o dinheiro como se nada fosse
Escreva com canetinha no seu lençol
Escreva Acorde, vagabundo
Depois jogue o lençol fora
e coma o travesseiro na hora do almoço
Se nada disse der certo
Tente somente
viver.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Papai Noel existe




Finalmente, mais de vinte e cinco anos depois, encontrei pessoalmente de novo com o Papai Noel. A primeira vez em que nós nos vimos tudo se deu muito rápido, sem chance para qualquer diálogo. Quando dei por mim, as renas já estavam voando no céu frio e estrelado de Petrópolis. Dizem que a imaginação das crianças é muito poderosa, mas não é bem assim não. O fato é que elas vêm coisas que os adultos já decidiram não enxergar mais.
Depois daquela noite, foi dada a largada para o ceticismo galopante, aquele que vai grudando nos ossos ao longo dos anos e, década a década, nos enfia aos poucos num caixão lacrado com desconfianças.
Mas no final de semana passado, tudo mudou. Eu estive de novo frente a frente com o Papai Noel, crianças! Enquanto ele segurava a minha mão, eu me perguntava o que gostaria de pedir a ele. Foi uma decisão penosa porque, afinal de contas, eram muitos os pedidos acumulados. Então resolvi ser magnânima e pedir algo que pudesse ser útil a todos. Pensei na minha cidade, tomei coragem, ajeitei o meu gorro e mandei: “Papai Noel, eu queria uma cidade limpa, organizada, cheia de flores, onde as pessoas fossem gentis umas com as outras e onde os motoristas parassem na faixa de pedestres mesmo onde não houvesse sinal.” Enquanto ele me olhava, mudo, eu me regozijava por antecipação. Finalmente as minhas preces seriam atendidas! Gente, vocês não estão entendendo: eu estava na casa do Papai Noel, na sua aldeia! Seus bobões, como os meus pedidos não seriam atendidos?
Com o nariz vermelho de frio, o Papai Noel sorriu. “O seu pedido já está atendido”, ele disse. Jura? “Juro”. “Mas você precisa ficar aqui em Gramado!”. Espertinho o velhinho, não?
Fiquei revoltada. Ah, a maturidade. Repleta de decepções. Saí da casa do barbudo batendo a porta e fui caminhar para espairecer. Foi quando uma de suas renas escrutinou meus pensamentos com o seu olhar. Decepcionada estava ela com a grosseria que eu havia feito ao seu patrão. Tremi e pedi desculpas abaixando a cabeça. Ela meneou os chifres de volta, altiva, sábia, condescendente. Segui meu caminho com as mãos no bolso, andando sem fazer barulho, pensando que eu merecia sentir o meu nariz gelar até doer.
Papai Noel existe, meninos. Só não faz milagres.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Volto já


Escritor freelancer também é filho de Deus e de vez em quando tira uma folguinha. Amanhã vou pegar um tam tam tam tam para o Sul e na sexta tenho o meu primeiro encontro com a cidade de Gramado. Se eu não congelar nem perder a ponta do nariz, na semana que vem conto tudo. Boa viagem a todos.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

De perder a tampa



Vocês estão aí achando que o tormento das obras acabou, não é? Ah, as crianças. Tão ingênuas.
Terminada a obra, tivemos pouco tempo para curtir a cozinha nova. Não sei pra vocês, mas secar um piso alagado, nos meus critérios de lazer, não parece nada divertido.
Sim, queridos: atendendo a pedidos, vamos voltar ao quebra-quebra! U-hu! Só tenho a agradecer ao mestre de obras, que fez a gentileza de quebrar um cano pluvial e fechar tudo mesmo assim sem me falar palavra. Ah, não, estou sendo injusta: disse ele ontem que colocou um durepoxi no buraco. Ele não é um amor? E não é culpa dele se o durepoxi não agüenta o tranco de uma chuva, certo? Tampouco é responsabilidade dele o lago que se cria no ambiente a cada dia de elevações pluviométricas. Também não deve ser por mal que ele não atende mais os nossos telefonemas. Gente, como vocês são maldosos! Deixem o pobre do homem em paz!
Eu havia indicado essa doce figura para uma menina que conheci no curso Arte de Viver. A obra dela está parada há dois meses. Estou sem cara. Nunca mais indico ninguém, prometo.
Tudo isso me fez pensar. Há um tempo fiquei muito impressionada com uma notícia que li no jornal. Era sobre um psicólogo social que passara oito anos fingindo ser gari. Fazia parte da sua pesquisa de tese de mestrado na USP. Por oito anos, Fernando Braga da Costa varreu as ruas de São Paulo, tomou café com seus colegas em latas retiradas do lixo e experimentou a sensação de ser invisível. Da casta dos intocáveis, para usarmos uma temática atual.
Constatou ele que, para a maioria, os trabalhadores braçais são invisíveis e sem nome. Logo, não precisam receber cumprimentos como “bom dia” ou “boa noite”. Trata-se do que ele chamou de “invisibilidade pública”. “Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim e não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se estivessem encostado em um poste ou em um orelhão”, diz o psicólogo.
A coisa ficou ainda pior. Certo dia, um dos garis o convidou para almoçar no bandejão central. Então Fernando entrou no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passou pela biblioteca, pelo centro acadêmico, pela lanchonete. Havia muita gente conhecida em todo o trajeto e ninguém o viu. Foi então, descreve ele, que seu corpo tremeu como se ele não o dominasse e a tampa da sua cabeça ardeu como se ele tivesse sido sugado. “Almocei sem sentir o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado”, conta o psicólogo.
Hoje Fernando é amigo dos garis que conheceu durante sua experiência, freqüenta as suas casas na periferia da cidade e nunca, em hipótese alguma, deixa de cumprimentar um trabalhador.
O que isso tem a ver com as minhas mesquinharias? Acho que tudo. Eu nunca deixei de cumprimentar o Edson, o tal mestre de obras, e quando dava providenciava café para toda a sua equipe e ficava por ali batendo um papinho. Mas tenho lá a minha suspeita de que a vida passou rápido e ele desistiu de ser reconhecido por bem. Desistiu de ganhar respeito e prestígio como ex-pedreiro e hoje mestre de obras. Então, cansado de buscar um espelho que lhe coubesse, começou a buscar o reconhecimento que vem de cabeça pra baixo. Aquele que vai fazer arder a tampa da cabeça dos outros, que é para eles verem o que é bom pra tosse.
Fato é que empatia não é vocação, não é talento, não é milagre. Empatia se ensina. E saber se colocar no lugar do outro, seja ele um gari, um pedreiro ou uma escritora exausta com a sua cozinha, é dos exercícios mais importantes da vida. Empatia é o primeiro passo do amor pelo ser humano e sem ela não sobra nadinha.
Esse psicólogo devia ganhar o Nobel da Paz. Pra mim ele é um Buda contemporâneo, que largou seu palácio acadêmico para viver na pele o sofrimento dos menos privilegiados. Esse nunca mais vai deixar de ver um gari, de cumprimentar um gari. Esse nunca mais vai ter dúvidas do que quer dizer a palavra respeito. Acho que se todos fizessem algo parecido, o mundo seria no mínimo menos violento. E com menos canos furados.
Last but not least, para ficarmos no clima, recomendo aqui com todas as forças o filme Escritores da Liberdade. Por isso o cartaz lá em cima. Queria colocar aqui embaixo, mas o Blogger não deixou. Se vocês não entenderam o que eu quis dizer aqui nesse post multitemático, vão entender vendo o filme.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

E eles continuam...

O Ibope foi tão fraco que quase esqueci deles. Mas aí vai mais um catarrinho. Vocês sabem como é, expectorar dá trabalho, cansa os pulmões, dá dor nas costas e na garganta. Mas depois fica tudo limpinho, limpinho.
Um bom final de semana pra vocês também.

IV

Havia os que moravam no metrô. Alguns buracos já existiam e foram só aproveitados, outros foram abertos mesmo para servir de casas que viviam repletas de ratos. Algumas, apesar da sujeira, tinham gás e luz, puxada de gatos da estação. O Clever, que se chamava assim porque se achava genial e um dia, folheando um dicionário resgatado do lixo, aprendeu que clever, em inglês, queria dizer inteligente, tinha um desses buracos com luz, mesinha e até TV. Pensou ainda em fazer um varal, não porque precisasse, não lavava roupa mesmo, mas porque o faria lembrar de alguma coisa da sua infância que não sabia bem o quê. Em poucos meses, praticamente decorou o dicionário, o que fez com que criasse uma linguagem muito particular. Não sabia articular as frases, mas sempre que podia jogava no ar uma palavra em inglês. “Você está hungry, man?”, ele perguntava aos ratos que passavam pela sua sala.