quinta-feira, 29 de maio de 2008

Guti em gotas


Melhor seria dizer pérolas. Aí vai mais um trechinho da entrevista, logo logo chegamos na fundação do Nós do Morro. Não percam.

Carla – Por que você decidiu vir para o Rio de Janeiro?
Guti Fraga– Porque sempre foi meu sonho vir para o Rio. Eu queria fazer teatro e achava que aqui teria mais base. Consegui magicamente transferir a minha faculdade de jornalismo para a UFRJ e comecei a fazer a escola de teatro Martins Pena, que é pública. A minha mãe já não podia mais me ajudar e meu pai estava bem velhinho, então era eu fazendo faculdade e teatro e passando fome mesmo. Mas isso era uma coisa normal na minha vida, nada me amedrontava nesse sentido. Comecei a fazer perfumes e essências pra vender. No começo morei em Copacabana, depois vim dividir apartamento com um amigo aqui no Vidigal. E aqui tinha um glamour na minha cabeça, eu nunca esqueço dessas comparações da minha vida: eu tinha assistido Morte em Veneza, e aquele filme tinha uma coisa que era uma magia, aquela geografia de Veneza que me lembrava o Vidigal, porque tinha água, tinha o visual, então era uma coisa muito doida na minha cabeça essa referência de Veneza. E eu comecei a estudar, vim morar no Vidigal e vim morar num lugar muito louco, nos prédios da parte baixa do morro. No meu prédio morava a Gal Costa, Lima Duarte, Arlete Sales, Cláudio Marzo, Danilo Caymmi, morava todo mundo, e eu era um gringo no meio dessa história, fazendo jornalismo, casado, e o casamento dançou nessa história e eu continuei sozinho, morando com amigo, dividindo apartamento, e sobrevivendo.
Comecei a conviver na comunidade e comecei a me identificar com a comunidade. Eu era um dos poucos caras do Vidigal do lado dos prédios que freqüentava também a favela, os primeiros amigos que fiz aqui no Vidigal eram da favela, e como eu sempre fui muito pobre, nunca na minha cabeça existiu diferença social, eu não entendia o que era diferença social na vida, nunca vivi isso, sempre fui um pobre muito bem aceito. Então eu freqüentei sempre a favela, o tempo todo, freqüentava as biroscas feitas com madeira (naquela época era tudo assim) e também freqüentava o Baixo Leblon, eu sou cria do Baixo Leblon.
Pouco antes de terminar a faculdade eu estava totalmente maluco, hippongo, sobrevivendo com a maior dificuldade, uma loucura. O Fernando (Mello) também morava no meu prédio e tinha um amigo artista plástico que confeccionava bolsas para equipamentos de fotografia. Comecei a trabalhar com ele e aí estava tudo lindo, era aquele mesmo o tipo de vida que eu queria ter na época. Eu trabalhava de sunga, comia o que tinha em casa e ia para o teatro. Fazendo as bolsas eu já não passava tanta dificuldade como quando fazia os perfuminhos artesanais. Foi nessa época que entrei em contato com as idéias do Paulo Freire.

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