quarta-feira, 14 de maio de 2008

Cá entre Nós

Como vocês cinco já sabem, ando trabalhando no livro do Nós do Morro, companhia de teatro do Vidigal que já completou 22 anos. É o trabalho mais lindo que já vi na vida, para início de conversa. Lá no casarão, onde acontecem as aulas, as oficinas, os ensaios e o dia-a-dia da ONG, o povo trabalha duro. Luta bravamente. Para vocês terem uma idéia, nem cantina o espaço tem. Seria desperdício de metro quadrado, porque cada pedacinho de chão pode servir de palco, de roda de capoeira, de sala de reunião. Todo o ambiente vibra de pura energia, de teimosia da boa. O negócio ali é a arte, o resto é acessório.
No início aquela força de vontade toda me chocou. Não era possível aquilo. Só podia ser um engano, uma pegadinha, uma ilusão de ótica. Quando começaram as entrevistas, confesso que fiquei procurando algum furo, algum rasgado qualquer que saciasse o meu ceticismo burguês. Não encontrei. O discurso geral é limpo, claro, transparente. E convicto. Por isso, a partir de hoje, para me redimir, vou pincelar aqui e ali alguns trechos das entrevistas já feitas. É só uma palhinha, é claro, quem quiser mais que espere o livro, ora.

Começamos então com o fundador Guti Fraga, jornalista, ator, diretor e, principalmente, vidigalense desde 1976. Tem em casa um mural com fotos de quase todos os artistas integrantes da companhia, que por sua vez se referem a ele como “meu pai”, “meu amigo”, “meu confidente”. Mas ai de quem sair da linha. É cortado do mural até que se ouça um pedido de desculpas.
Carla – Fiquei me perguntando de onde vem essa base tão sólida que você tem de ética e solidariedade, e me deu vontade de saber da sua infância, da sua relação com os seus pais, com os seus irmãos. Queria fazer aqui uma “retrospectiva Guti”, antes de falar do Nós do Morro.
Guti – Eu sempre digo que eu fui um pobre muito pobre que tive oportunidades na vida. Desde criancinha. Eu nasci na roça, e quando falo em roça é o centro-oeste do Brasil. Eu nasci em Mato Grosso e até os meus 10 anos não tinha eletricidade na minha casa. Nunca brinquei de carrinho, porque não existia carrinho pra brincar. Eu pegava manguinha e brincava de boi, fazendo as patas do bicho com gravetinhos. Foi uma infância muito pobre, com muita dificuldade. Eu sempre trabalhei de tudo na minha vida e a minha família me ensinou a não ter vergonha disso. Sou um cara que nunca teve Natal quando criança. Lembro que uma vez estava engraxando sapatos na casa de uma família e estavam todos na maior euforia por causa da festa de Natal. Aquele clima era muito distante da minha vida. Eu ainda era uma criança, mas lembro de ter refletido sobre isso quando voltava pra casa já de noite. O trem já tinha passado, eu morava longe pra caramba e tive que voltar a pé, morrendo de medo porque precisava atravessar um matagal. Também lembro de muitas vezes em que eu chegava em casa e não tinha comida. A minha mãe então cozinhava ora-pro-nobis, que era uma planta, uma espinheira, a folha é quase igual a do espinafre. Eu chegava em casa e o que tinha pra comer era ora-pro-nobis com farinha.

Continua

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom!
Quero muito ver esse livro pronto!
Temístocles

Anônimo disse...

Olá!!!
Sou Silvia, acabei de ler o livro A bela menina do cachorrinho!!!
Fiquei admirada pela historia!! Amei mesmo, minha mãe chegou a dizer "oq será que tem nesse livro que essa menina não para de ler" por ser o primeiro livro que consegui chegar ao final, rsrs, isso pq tenho 26 anos!!
Bom, de verdade queria te dar os parabéns!!
Gostaria muito de mandar uma msg para a Ana Karina se por algum acaso ela tiver algum e-mail ou pagina dela e vc puder me passar agradeço desde já!!!
Mais uma vez parabéns!!!
Um grande beijo e sucesso sempre na sua vida!!!!
P.s. meu e-mail é silpizzol@hotmail.com

Anônimo disse...

Carla, que máximo!
Ele deve ser realmente uma pessoa fantástica!
Como disse o Temístocles, quero ver esse livro pronto.
Celia