quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Minhocas no deserto




Faz quase um ano que não escrevo uma linha, porque post de blog não conta. Vivo um certo deserto criativo, um Mojave californiano sem cactos nem oásis naturais, muito menos relances psicodélicos de Las Vegas. Dou-me a desculpa de que falta tempo e espaço, o que não é uma desculpa, afinal, mas o fato é que posso estar seca e murcha como a velha do meu livro recém lançado.

Penso, sim, em escrever sobre várias coisas. Minhocas, por exemplo. Quando voltei da maternidade com a Alice e passei a conviver com a exaustão e a angústia como quem passa manteiga no pão, pensei muito nelas, nas minhocas. Eram os meus braços, que, flácidos, doloridos e magros, me faziam pensar nelas. Mentira, as pernas bambas e a bunda magra também. No banho eu era toda minhoquinha subnutrida, daquelas molengas que devem morrer de susto antes mesmo de perceber a sombra de uma sola de sapato.

Precisei do rito de passagem da licença maternidade autônoma (leia-se especializar-se em recusar trabalhos) para lembrar, graças a uma arrumação nos meus alfarrábios, que as minhocas são seres muito intuitivos. Podem respirar através da pele e têm, provavelmente, o melhor tato da cadeia animal. Como os faraós do antigo Egito sabiam, são animais muito importantes em qualquer ecossistema. A admirável fertilidade do Vale do Nilo, por exemplo, se deve a elas, que transformavam os dejetos trazidos pelas enchentes no mais rico adubo. Uma minhoca, pasmem, é capaz de remover até 60 vezes o valor do seu peso em quantidade de terra. Pra isso ela come diariamente uma quantidade de alimentos igual ao seu peso corporal e produz, da mesma forma, húmus equivalente à sua massa corpórea. Isso tudo com um cérebro do tamanho de uma ponta de alfinete.

E por que sei isso tudo sobre, deus do céu, minhocas? Porque já fui muito otimista e sonhadora e topei, por duas mil patacas, escrever uma espécie de autoajuda focado no exemplo das minhocas. Seria um livro-agenda com algumas páginas em branco, onde o leitor aprenderia uma metodologia de anotações capaz de espanar a poeira de sonhos engavetados.

O tempo passou e, confesso, minha relação com os anelídeos já não é mais a mesma. Nossa amizade esquecida e hoje muito burocrática não anda rendendo adubos nem cosméticos alemães, que dirá livros. Minhas minhoquices andam pálidas, translúcidas, ainda moles apesar do resgate da minha musculatura analisada no chuveiro. Ou então, numa perspectiva otimista em homenagem aos impulsos da juventude, estão revolvendo a terra no escuro, à espera do sol escaldante do deserto.

Quando todos se encontrarem, o sol e as minhocas, só restará pó e fumacinha, mas no meio disso alguém terá, finalmente, atravessado o deserto com um restinho de gasolina e, quem sabe, um pouco mais de bom senso.