segunda-feira, 4 de março de 2013





Em (re) construção

“Quem cria confia”, estava escrito. Embaixo, em letras menores como quem titubeia na afirmação, a citação bíblica que sempre me intrigou nas traseiras de caminhões: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”. Lá estava escrito assim mesmo, sem um ponto de interrogação depois. A frase era acompanhada apenas de sua devida referência: Romanos 8:31.
É uma tergiversação explicar isso agora, mas ando achando o mundo objetivo muito chato, então que se dane. Se vocês seis cansarem é só voltar para o Facebook. Fato é que a frase acima, que não é o mote desse texto, sempre me deixou confusa. Achava que era, ao invés de uma afirmação de fé, um lamento religioso, espécie de queixa conformada, desabafo de trabalhador insalubre. Algo como “se a vida é essa merda e Deus é por nós, não precisamos de ninguém contra nós”. Como quem diz de alguém hábil em puxar tapetes alheios que, com um amigo como o fulano, não precisa de inimigos. Eu juraria que era essa mesmo a minha interpretação, não fosse jurar em vão um pecado tão feio. Só depois de algum tempo e discreta investigação é que entendi o otimismo quase ufanista da sentença. Deus é nosso país, é nós, está no nosso time, então não há quem possa ser contra nós. É esse o sentido da frase, amores, agora eu sei. Só eu, talvez por relutância cética, ainda era incapaz de entender.

Mas o que importa, se é que alguma coisa realmente importa, é que isso estava escrito embaixo da linda frase “Quem cria confia”, gravada em letras bem grandes no saco de ração para gado. Que era ração para gado não pude ter dúvidas, porque também estava escrito, acima de tudo: Cooperboi – tecnologia em nutrição animal. Não me perguntem o que esse saco estava fazendo nas obras do meu escritório, porque isso nem a Bíblia deve explicar, e olha que, pelo visto, ela explica muita coisa para muita gente. O saco simplesmente estava lá, guardando entulho e me jogando na cara a linda frase que não pára de piscar na minha insegura massa cinzenta.

Quem cria confia. Pensei na minha filha, é claro, razão da mudança do meu endereço de trabalho, mas pensei também na feliz coincidência de dar de cara, em plena reconstrução pessoal, com o que também pode ser lido como uma afirmação de fé artística. Enquanto olho rachaduras na parede e espio espelhos de tomada, penso em como está sendo importante me reformar inteira.
Voltar ao trabalho depois de qualquer licença maternidade, seja ela regulamentada por lei ou por um período sabático, é mesmo arrancar o piso, quebrar paredes e começar tudo de novo. É ir na loja de materiais de construção como quem vai para a análise e sair de lá carregando uma tampa de vaso como quem empunha uma credencial. É olhar para uma parede crua, descascada, irrefutável concreto, e se perguntar se um dia ela vai mesmo aparecer pintada de branco celeste, criativa, produtiva e devidamente sociabilizada.

Tenho fé que sim. Acredito muito nos mestres de obra, nas rações de gado e no poder de resiliência das paredes rachadas. Quem cria confia.