quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Deus e a bela menina


Quando tudo parecia silencioso no front e eu não esperava ver mais nada publicado sobre A bela menina, eis que me cai nas mãos o texto mais debruçado ao livro que já vi até hoje. Num belo ensaio de quatro páginas da Oralidades, revista de história oral da USP, Ricardo Santhiago traça uma acurada análise sobre o livro, com direito a reflexões que eu mesma, até então, só havia feito de maneira intuitiva, em algum canto ininteligível do meu cérebro. Ninguém, até hoje, havia explicado tão bem o meu trabalho. Fiquei surpresa. Meu trabalho é bem legal, gente!
Vejamos. Santhiago, que é jornalista, pesquisador, produtor cultural e editor da revista, identificou no livro um comprometimento com o alerta e com a transformação social. É também fonte de alívio pessoal para quem conta a história, para quem passou por muitas provações e, por isso, tem o dever de relatá-las para que elas não se repitam. Com, isso, fica claro pra mim que já cumpri grande parte das minhas boas ações do ano.
Mas tem mais, e preciso aqui transcrever o trecho: “(...) dado o volume presumível de gravações, as tarefas de textualização e organização se complicam e exigem o empenho de um autor responsável e criativo, interposto entre a oralidade e a escrita a fim de garantir a esta não apenas entendimento, mas atração e encanto. O texto de Carla faz isso. Além de convencer como letra impressa, seduz.”
Que tal? Logo depois ele escreve que tropecei em alguns pronomes possessivos mas, well, well, os escritores são assim, revolucionários e voluntariosos, capazes até de bater o pé com o revisor algumas vezes.
Santhiago lamenta que as relações entre entrevistado e entrevistadora, as situações de narração e as soluções da escrita não tenham sido reveladas numa introdução. De fato, elas ficaram de fora do livro, mas estão num artigo que pode ser lido em www.terapianarrativa.com.br/artigos.html . Isso é novidade, queridos.
E para o final do ensaio, o jornalista reserva uma análise curiosa:
“(...) não é à toa que o testemunho autobiográfico, literário, jornalístico e religioso sejam um só. Na busca de uma vida normal e segura, testemunhar é artifício natural para quem tem no desabafo o símbolo da vitória e de outra história que ‘não tem a palavra droga a cada cinco páginas’”.
Não, vocês não leram errado. Ele quis dizer religioso, mesmo, “testemunho religioso”. Segundo ele, Deus e religião aparecem como explicações para toda a construção narrativa. É a Ana freqüentando a Igreja Universal, espaço mais seguro do que o NA, e seus pedidos sendo atendidos com a chegada do Gustavo, seu “salvador gentil”.
Engraçado, não havia percebido que a fé estava tão aparente nas últimas páginas. De fato ela existe na vida real, à sua maneira, mas no livro me parecia estar disfarçada por trás de um humor sempre ácido e algo inglês, coisa talvez de quem experimentou em Londres a chance de ver a vida sob outra perspectiva.
Se Deus e religião fecham o livro eu não sei, mas acabo de saber uma coisa. Essa história que caiu no meu colo e outras que andam chegando estão longe de ser um karma. Estão mais para uma cortesia do cara lá de cima. Amém. Poupem o sal grosso.

A Revista Oralidades pode ser adquirida pela Internet, no site http://www.oralidades.com.br/ A edição de que falamos é a Nº 3 – Jan-Jun/2008.

2 comentários:

Anônimo disse...

É por isso (e outras coisitas mais) que tenho tanto orgulho!

Beijos,
Leandro

Anônimo disse...

Eu também!!!
Beijos

Celia