terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um luxo




“O último dos mendigos tem sempre um nadinha de supérfluo! Limitai a natureza às necessidades naturais e o homem se torna um animal”
Shakespeare



Projeto novo à vista, ando procurando inspirações na idéia do luxo. O luxo como estilo de vida, como roupagem dos sentidos, sempre me interessou. Não porque eu queira, pessoalmente, me entregar a ele. Zero tesão pra isso. Não dou a mínima para hábitos seletos ou coisas grifadas e, na verdade, nunca entendi muito bem como funciona esse mundinho. Então fui estudá-lo. E há um tempo encontrei no livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky um belo caminho das pedras. O luxo eterno, escrito em parceria com Elyette Roux, é um excelente atalho para quem quer passear pela história social do luxo – ou do que entende-se por ele. Fica até mais fácil, acreditem, entender o fetiche que uma bolsa Louis Vuitton carrega a tiracolo. Só entender, é claro.
A trajetória do luxo, explica com propriedade Lipovetsky, vai da transcendência ao prazer íntimo. Os bens de luxo estiveram na origem não apenas dos objetos de prestígio, mas também das maneiras de estabelecer um contrato com os espíritos e os deuses. O luxo não nasceu mecanicamente de um excedente de riquezas e de progressos tecnológicos na fabricação dos objetos. Ele demandou um modo de pensamento do tipo religioso, um cosmo metafísico e mágico.
Que tal? Isso nos leva a entender que o luxo é mais antigo do que a própria civilização. Antes mesmo da existência da tecelagem ou da metalurgia, os homens de antes do neolítico já queriam algo mais do que simplesmente não morrer de fome e de frio. O luxo e o desperdício, unidos intrinsecamente em suas origens, já estavam ligados ao espírito e à transcendência, valores até hoje não estranhos a certos signos luxuosos. É como se uma Vuitton fosse o passaporte para o reino mágico dos bem-aventurados e, ao mesmo tempo, o próprio cartão de embarque. É tiro e queda, não tem erro: com ela você entra, recebe um colar de boas-vindas e fica por lá. Ao menos até o lançamento da próxima coleção.
Na humanidade primitiva, o luxo não se distinguia dos outros fenômenos sociais e religiosos. Dotados de força protetora, garantias de riqueza, princípios religiosos de abundância, de sorte e de posição, os objetos de cobre dos índios do noroeste americano, por exemplo, tornavam invencíveis os chefes que os possuíam. Eles, os objetos, tinham vida e, por isso, exigiam ser doados ou destruídos.
Da Renascença em diante, o luxo toma o caminho da cultura. Mas isso é papo para outro post. Não percam, portanto, o mini micro seminário sobre o luxo que acaba de ser criado nesse instante. Os melhores perfumes estão nos menores frascos Chanel, queridos.

Lipovetsky, Gilles; Roux, Elyette. O luxo eterno: da idade do sagrados ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Literal e liberal

Em priscas eras, quando eu terminava de escrever a minha dissertação de mestrado, pensei num capítulo voltado para o futuro da entrevista jornalística na Internet. Onde ela estaria? Primeiro imaginei que as coisas não mudariam tanto assim, na verdade quase nada, ficaríamos apenas com outro formato mas com o mesmo conteúdo. Por essa levei logo um pito da Heloisa Buarque, minha orientadora. Enquanto me fazia comer uma fatia de bolo (orientandos costumam ser pálidos e raquíticos), me disse que eu estava sendo reducionista. Que eu abrisse meus horizontes e mudasse de abordagem porque aquela era muito chata, coisa de gente com cabelos brancos. Antes que eu terminasse de mastigar o bolo e aquele sacode, deu o assunto por encerrado.
Então li outras coisas, pensei melhor, comi outras fatias de bolo e imaginei que, em algum momento, fosse possível escrever junto. Escrever, na rede, a incontáveis mãos. Escrever seria um processo em eterna edição, e uma entrevista seria uma conversa sem ponto final. Não existiria, então, nada mais democrático do que um texto. Um texto coletivo, colaborativo, interativo.
Pois bem. Menos de dez anos e dois fios brancos na franja depois, isso existe. E se chama Portal Literal. E de quem é a curadoria? Da Heloisa, é claro. A nova versão do Literal, o Portal Literal 2.0 (http://www.literal.com.br/ ), foi elaborada com software livre e utiliza o modelo de contribuições abertas da Wikipedia, oferecendo livre acesso e participação a todos os usuários cadastrados. O fluxo de colaborações passa por um sistema de ordenação por votos e critério de relevância. As mais votadas entram no site em destaque, e as não votadas ficam guardadas (e acessíveis) nos perfis dos seus autores. O Portal é, ao mesmo tempo, um Banco de Cultura e uma comunidade on line que produz e debate literatura, publica e cria coletivamente seu conteúdo. Um lugar sem hierarquias entre escritores, editores e leitores.
As minhas preces foram atendidas. Tenho menos vergonha do último capítulo da minha dissertação. Já me registrei no Portal. Falta só comer um bolo inteiro, pintar os fios brancos e mandar brasa (aqui aceito sugestões para uma expressão mais muderninha... sorry, crianças, são os cabelos brancos falando por mim).

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O primeiro workshop a gente nunca esquece


Nesse sábado de sol e céu azulzinho que passou, dei o meu primeiro workshop. O título, muito metido, era O escritor e o mercado editorial e a idéia era mostrar um pouco do que é possível fazer nesse nicho tão esquisito, quer dizer, específico. Falei sobre a minha experiência com preparação, estabelecimento, criação e edição de texto, ghost e outras coisinhas mais como biografias e obras de auto-ajuda que chegam até você assim no susto, do nada. Também comentei a mão na roda que é emprestar algumas ferramentas da psicologia na coleta de depoimentos. Falamos de terapia narrativa e, claro, da bela menina. Fizemos exercícios, vimos trechos de filmes, concordamos sobre a importância de fazer contratos e se profissionalizar ao máximo nessa seara tão cheia de freelancers desprevenidos. Levei e distribuí uma pequena pilha de trabalhos meus. Saíram de lá cheios de papéis e, pelo que pude perceber depois, de idéias. Uma das alunas, a Beth, criou um blog lindo e profundo depois da minha insistência em fazê-los botar a boca no trombone. O resultado está em http://ninhodarouxinol.blogspot.com/
Os outros dois alunos (sim, eram só três, mas o que vocês queriam? Era a minha primeira vez!) já tinham blog e, descolados, pareceram interessados na coisa toda. Bom, ao menos foi a impressão que me deu. Ana, a outra aluna, tradutora e revisora (http://ideiaselivros.zip.net/ ), ficou de divulgar o curso. Daniel, jornalista recém-formado (http://www.dribas.blogspot.com/ ), me pediu uma entrevista. Então acho que a coisa deu certo, não, cambada? Assim espero. E tudo graças à paciência de Suzana Vargas, que me deu um segundo voto de confiança. Da primeira vez, tempos atrás, assim que a turma ficou enche-não-enche, amarelei. Dei pra trás. Saltei fora. Corri de medo. E tive a certeza de que ela nunca mais ia me procurar, é claro. Por sorte eu estava errada.
O curso, de mais de cinco horas (cinco horas e ainda sobrou assunto!) aconteceu no simpático espaço criado pela Suzana,o Estação das Letras, no Flamengo, que agora também tem uma ótima livraria, a Literárea. É aquele tipo de livraria que te poupa tempo porque tudo que pára em pé nas prateleiras vale a pena. A seleção, especializada em literatura e na lida do escritor, é coisa fina. Façam um visita e espiem também os vários outros cursos da casa, com professores bem mais experientes do que euzinha: http://www.estacaodasletras.com.br/.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ando meio... desligado


Sempre fui desligada, e não morri atropelada até hoje por pura obra divina. De vez em quando eu simplesmente saio de sintonia, mudo o dial, troco de canal. É difícil, às vezes. Nem todo mundo entende. Tá no mundo da lua?, dizem essas pessoas que não entendem. Elas também costumam perguntar se estou pensando na morte da bezerra. Sempre achei engraçado, isso. Sim, coitada da bezerra, estou pensando nela. Morreu de quê, hein, gente?

Não me incomoda ser desligada porque é feio ou não é de “bom tom” ou qualquer coisa parecida. Incomoda por ser um sintoma. Sinal de que o mundinho interior está gritando e pedindo para eu grudar nele. Como quase nunca (e cada vez menos) obedeço, ele prega peças: puxa o tapete do outro mundo, o maior, à primeira oportunidade que lhe aparece. É uma maneira de dizer: tá vendo como esse lado daí é sem graça? É mais desengonçado do que você e, mais do que tudo, desencontrado (não encontra comigo).
Preciso de tempo para o mundinho. É nele que respiro. O mundo de lá me exige (mais uma vez) ser coerente, sensata, razoável, civilizada. Mas ai que é difícil isso de colocar os pés no chão. Quando eles pisam de novo na calçada é como se estivesse tatuado nas solas: poesia.



quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Geografia da Felicidade

Não é ótimo esse título? Não, é claro que não é meu. Apesar de ter bolado A bela menina do cachorrinho, que resistiu a incontáveis reuniões editoriais durante meses (e até hoje, numa ironia do destino, faz a Ana torcer o nariz), fazer títulos não é o meu forte.
Mas o que importa é que acabei mais um copi para a Ediouro, e o título do livro é esse aí de cima. O original em inglês é The Geography of Bliss, esta última uma palavrinha mágica de difícil tradução. Na verdade, é mais do que felicidade, é contentamento, é uma euforia tranqüila, uma unção de alegria. Mas ninguém faria um título assim, A geografia do contentamento, da euforia tranqüila, da... vocês entenderam.
O livro, do jornalista americano Eric Weiner, vai dar o que falar. Correspondente da NPR, uma das maiores rádios dos EUA, Eric estava acostumado a cobrir guerras e catástrofes mundiais. Daí ficou deprimido com isso e resolver viajar o mundo em busca, agora, da felicidade. Mas não saiu como um andarilho hippie, nem um hare hare sem outros planos que não vender uns incensos aqui e ali. Eric tinha um mapa. Um mapa científico da felicidade, baseado no banco mundial de dados da psicologia positiva, aquela que estuda o “bem-estar subjetivo” com o mesmo afinco com que Freud e seus seguidores estudaram a depressão. Segundo esses pesquisadores, liderados pelo sociólogo e professor holandês Ruut Veenhoven, os países mais felizes do mundo são Islândia, Suíça, Holanda e Dinamarca. Não me perguntem porque. Nem ao Eric. O método para essas conclusões também é subjetivo. Eles simplesmente perguntam às pessoas que nota elas dariam para a sua própria felicidade, levando em conta suas condições de vida. De 1 a 10, o quanto você é feliz?
Eric mudou um pouco o mapa e foi para a Holanda, Suíça, Butão (onde o governo criou o índice de Felicidade Nacional Bruta), Catar, Islândia, Moldávia (o país mais triste do mundo), Tailândia e Inglaterra. Chegou a algumas conclusões:

“O dinheiro conta, mas menos do que imaginamos e não da maneira como imaginamos. A família é importante. Assim como os amigos. A inveja é tóxica. Assim como pensar excessivamente. Praias são opcionais. Confiança não. Nem gratidão.”

Não é nenhuma descoberta da pólvora, mas é que existem vários caminhos para a felicidade:

“Os suíços são tensos e felizes. Os tailandeses são relaxados e felizes. Os islandeses encontram alegria em suas bebedeiras, os moldávios apenas sofrimento. Talvez uma mente indiana consiga digerir essas contradições, mas a minha não consegue.”

Nem a minha. Mas o livro é melhor do que isso, interessante de verdade e muito divertido. É daqueles em que você viaja junto. Em breve.

Uma vida inteira de felicidade! Nenhum homem poderia suportar isso: Seria o inferno na Terra.”
George Bernard Shaw