segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Da série É isso aí

Assim que começamos a filosofar achamos que mesmo as coisas mais cotidianas levam a problemas para os quais só podem ser dadas respostas muito incompletas. A filosofia, embora incapaz de nos dizer com certeza quais são as respostas verdadeiras às dúvidas que ela suscita, está apta a sugerir muitas possibilidades que ampliam nossos pensamentos e os libertam da tirania do hábito. Assim, embora diminuindo nosso sentimento de certeza a respeito do que as coisas são, ela aumenta enormemente nosso conhecimento em direção ao que as coisas podem ser.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

B-azar





Lugar descolado no Horto, tarde de domingo, um blush de leve no rosto para disfarçar a cor verde musgo de quem não sabe mais o que é pegar um solzinho. Respirei fundo e entrei, tentando manter um ar blasé que só os cariocas têm.

“Oi, tudo bem?”, me perguntou de cara um homem que parecia trabalhar no local.

“Tudo...”

“Veio para o bazar?”

Pausa. Nesse momento eu poderia ser ferina e pensar “não, vim fazer feira”, mas o fato é que o rapaz era muito gentil. De verdade.

“É...”

“Então vai colocando na cestinha o que estiver gostando, deixa os cabides nas araras mesmo”, ele ensinou, me entregando uma cestinha vermelha daquelas de supermercado. Mal sabe ele como aquelas informações foram preciosas. Eu já podia me movimentar com algum conforto.

“Qualquer coisa é só me chamar, viu, Carla?”

Meu Deus, ele já havia decorado o meu nome. Agora eu tinha a obrigação de comprar alguma coisa.

Eu estava num bazar da Osklen. Como vocês seis e meio (o meio a mais é sempre uma esperança) aí já sabem, acabei de escrever um livro para o Oskar Metsavaht. Fiquei fã do homem não só pelo império que ele conseguiu criar com a sua marca, mas também pela sua simplicidade e simpatia. De certa forma, o bom trato se refletia nos funcionários, que esbarravam aqui e ali com a Nazaré, mulher dele. Não sei se ela estava trabalhando ou experimentando roupas, já que o Oskar mesmo me disse que eles também aproveitam os bazares. Achei que ele tinha falado isso só para ser legal comigo, que tenho apenas uma camisetinha da Osklen por motivos óbvios. Não insistam por explicações, meninos, fica feio.

Quando recebi o convite para o bazar, portanto, pensei que aquela era a minha chance de prestigiar a marca. Eu tinha que comprar ao menos uma peça para usar quando encontrasse de novo com o homi, gente. Então olhei, olhei, olhei... e nada.

Uma amiga minha saiu de lá carregada e eu não consegui comprar nada, nadinha. Tudo bem, eu não estava muito inspirada no dia, mas me solidarizei com algumas pessoas que, passando as mãos pelas araras, se perguntavam como algumas peças deveriam ser vestidas. Literalmente. “Será que isso é uma camisa?”, perguntou uma mulher ao meu lado. “Acho que sim”, respondi, saindo de fininho. Eu não tinha a menor idéia.

Fato é que as roupas eram muito bacanas, mas não me identifiquei com a coleção. Ok, gostei de uma blusinha estampada, mas era grande pra mim e o P já tinha acabado. O resto me parecia trendy demais para o meu estilo não-me-olhem-assim. Sou sóbria, meninos, mui discreta, mais para o clássico com um quê de esportivo e cheirinho de incenso, e, principalmente, não gosto que a roupa chegue antes de mim.

Bazar, definitivamente, também não é comigo. Gosto mais das peças que estão nas lojas da Osklen, vestidos sonhadores, paletós bem cortados, casacos lindos de couro. E muitos zeros a mais nas etiquetas.

Fazer o quê. Sempre tive o péssimo hábito de gostar das coisas mais caras. A minha mãe costuma dizer que isso é bom gosto. Eu acho que é só azar, mesmo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Zen pedregulhos



Do outro lado da janela a Avenida das Américas se movimentava em ritmo frenético, faróis cortando rápido a hora do rush noturno. Cartazes publicitários de um centro comercial se elevavam acima dos carros, numa briga visual silenciosa. Sensação de estar em LA, no alto de um hotel, olhando a metrópole muda rugir lá embaixo. Do lado de dentro da janela, belo contraste: escutava barulhinho de chuva e água corrente. Estava prestes a fazer a melhor massagem de todos os tempos. Deixei quilos de pedras na maca. De repente, a vida era bela de novo.

Vivo dizendo para o meu marido, um roteirista estressado e um tanto caótico, o quanto é importante buscar a nossa paz interna. Parece piegas isso, eu sei, mas não há nada de mais importante na vida. Verdade é que a gente sabe disso quando nasce e depois passa a vida inteira desaprendendo.

Faço ioga há cinco anos e é incrível como, além de adquirir uma força muscular até então insuspeitada (quem acha que na ioga ninguém rala devia experimentar uma das minhas aulas), aprendi a ligar o power off: basta uma musiquinha dessas de cds vendidos no Mundo Verde para eu viajar para o centro da Terra.

Só que, com o tempo, precisamos sair da toca e levar esse estado de espírito para a superfície. E aí a coisa pega. São tantos obstáculos... o caixa mal humorado do banco, a diarista espaçosa, o papagaio que grita e assusta o pobre do vizinho que acabou de se mudar, o supermercado que insiste em continuar existindo. Como ser zen com tudo isso, seus neurônios se perguntam.

Há! Aí é que está! Simplesmente não sendo. A não ser que se mude para um mosteiro, é realmente sobre-humano manter-se calmo e sereno em todos os momentos da vida, principalmente da vida nas grandes metrópoles. O que se deve aprender, além de manter a classe e não arrancar os cabelos, é claro (seus e dos outros), é voltar ao estado de calma mais facilmente. É ligar o power off, mas sem precisar de artifícios como cds do Mundo Verde. Como fazer isso é outra história.

Respirando, por exemplo. Ou mudando naturalmente sua maneira de ver os problemas.

É comum a gente ouvir que os problemas servem para que aprendamos alguma coisa. Papinho. Problemas são problemas, ponto. É claro que você, tendo que passar por eles e sair bem do outro lado do túnel, vai aprender alguma coisa. Mas o aprendizado não ameniza o fato de que os problemas, caramba, são problemas! Problemas! Problemas! Não há nada de feio nesse nome, fale sem medo, não é palavrão!

Foucault já disse que habitamos um mundo constituído pela morte: morte do pensamento que teme a loucura, morte da ação que teme a delinqüência, morte do organismo apavorado pela doença. O homem tornou-se, enfim, um ser definido pelo negativo. Falha, fracasso, morte, falta. Flâmulas castradoras que esteiam o mundo moderno. Por isso mesmo, talvez, queremos sempre empurrar essas palavrinhas desagradáveis para debaixo do tapete, como se elas fizessem feio para as visitas.

Well, well, elas não fazem. Ao menos não quando as visitas ainda carregam algo de humano dentro de si. Como a paz, por exemplo.

Até a próxima. Mandem suas cartas. O consultório sentimental da blogueira zen funciona de segunda a quinta. Sexta, agora, é dia de massagem.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Oh!



Desde que adquiri uma redentora licença poética e não remunerada do jornalismo, me afastando das manchetes e mergulhando nos livros, venho lendo com alguma desconfiança os jornais de todo dia. Enquanto tomo café, sinto que as chamadas de capa me trapaceiam a vida, me levam lá pra baixo, bloqueiam meu senso crítico ou simplesmente me mordem para depois assoprarem onde ficou ardendo – geralmente no meio da nuca, onde há um pedágio para as idéias que querem subir em terceira marcha, forçando os pistões do motor.

Adoraria fazer a experiência de não ler mais os jornais como faço quando viajo, a cada ano bissexto, se é que ainda sei o que são essas duas coisas, viajar e ano bissexto. Mas no dia-a-dia mesmo, na labuta, não consigo deixar de sujar os dedos com um pouco de chumbo dos produtos jornalísticos. Mas agora, meus amores, acho que a coisa foi longe demais.

Há algum tempo venho recebendo em casa, como um suplemento do jornal O Globo, a revista Oh! . Assim mesmo, uma interjeição de surpresa, espanto, deslumbramento. A revista, com matérias sobre vinhos, carros alemães, viagens para ilhas do mar Mediterrâneo, é para gente rica. Ok, I get it. Mas na última edição, uma determinada matéria me saltou aos olhos e rebelou um pouco o estômago. Saquem o título: “Seu jato...do seu jeito”

Há há há, pensei, é uma piada. Boa, essa. Segui lendo e não encontrei nenhuma confirmação do chiste, nada que me permitisse organizar os pensamentos com uma gargalhada de alívio. “Cama gigante, banheiro com ducha, mobiliário chiquérrimo: fabricantes apostam na decoração para deixar aeronaves com a cara do dono”. Ahn?

Como assim, gente? A reportagem é mesmo sobre isso? É. E continua, num tom muito blasé, afirmando que o mercado brasileiro de jatos está aquecido e que os proprietários não querem apenas um modelo com velocidade e alcance: eles querem decoração personalizada, com poltronas de couro, carpetes de boa espessura e madeiras africanas. Detalhes em tom pérola no acabamento e assentos com impressão em baixo relevo também são muito pedidos, aprendi, enquanto me perguntava por que aquela revista estava nas minha mãos e não nas da Ivete Sangalo. Ora, deve ser porque as revistas que a Ivete lê são importadas, bobinha.

Olhei a ficha técnica: tiragem de 60 mil exemplares. Será possível que existam, no Brasil, um país com metade da população ainda sem tratamento de esgoto adequado, 60 mil pessoas ricas o suficiente para comprarem (e decorarem) um jatinho? Lembrei de uma amiga que, cansada de receber ligações de uma gerente de banco que lhe oferecia planos de investimento, mandou na lata: “Minha filha, você está perdendo tempo comigo. Eu nem poupança tenho!”.

Ah, mas isso não tem nada a ver, vocês vão dizer. Pobre não gosta de ver madame tomando café da manhã nas novelas? Não sei dizer. Fiquei muito confusa agora.

Entrei no site no IBGE. Queria saber como andam os rendimentos da população brasileira. Desisti depois de ver que teria que pagar R$ 50 para baixar uma pesquisa de orçamentos familiares. Deprimi. Eu não só não posso ter um jatinho como não posso ter acesso aos números de quem tem jatinhos.

Agora me digam: não seria melhor não ler os jornais?

domingo, 1 de agosto de 2010

Pro dia terminar feliz




Acordar tarde, ficar na cama lembrando de sonhos emblemáticos (são muitos), fazer pouco caso dos jornais, almoçar sem pressa, esticar para um passeio na Praia da Reserva depois de tentar (e não conseguir porque dormiu-se demais) passear no bosque. Da Barra, crianças. Tudo para o dia terminar leve, sem lobos maus, arrematado com uma batida de pitanga e os melhores pastéis de camarão da cidade. O Rio é lindo, a vida é boa e o amor azulzinho.

Larguem o videogame e respirem ar puro, meninos.