quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Na mosca

Eu não sei o que é mais difícil: quando gostam ou quando não gostam. Quando não gostam do seu texto, jogos de cena à parte, você se sente a mosca que, de tão insignificante e incapaz, não teve nem pontaria para pousar no cocô do pangaré do bandido. Já quando gostam, você respira, sim, aliviado. Mas logo vem à tona um “aimeudeus tanto trabalho agora pela frente”, pensamento especializado em fazer arder as idéias como uma espécie de pimenta cerebral. O que reflete no estômago que arde e grita lá pra cima: “Gente, será que vai dar?”, e se encolhe quando começa a ouvir seu eco, “vai dar?”, “vai daaar?”... No que o cérebro, muito altivo e auto-centrado, não se digna a responder. E nem pode, sob pena de desagradar sua platéia: os neuroniozinhos se amarram num suspense.
Desse pequeno circo aí se conclui que escritora freelancer sofre de chatice aguda e não tem salvação. Pula do paraíso para o inferno e vice-versa quinhentas vezes por minuto. Nem ela se agüenta, é claro. Então ela ataca pela primeira vez Uma temporada no inferno, de Rimbaud, e entende que seus dramas são fichinhas mais insignificantes do que a vida medíocre da mosca cega. O que a faz ficar um tantinho deprimida, é claro. No que ela adoece e o resto vocês não teriam paciência de saber. Nem ela.
Em homenagem então ao (não) sofrimento da freelancer, aí vai o último fragmento nonsense do Romance de Gaveta, que teve a sua publicação suspensa até que se entenda mais ou menos o que vinha sendo publicado.
Podem todos respirar aliviados, assim, juntos: ufaaaa. Nem pangarés nem bandidos nem mocinhos. Apenas um último suspiro, que outros textos urgem.

A ladeira era tão íngreme que precisávamos subir em zigue zague para não cair. Encontrar a inclinação certa levava tempo. Era uma favela chic, uma espécie de vila. Animada, a comunidade vivia em festa. Estava na moda fazer exposições de temas ordinários. Coleção de isqueiros, chaveiros, pentes. Síndrome de nostalgia do mundo antigo. Artigos do dia-a-dia viraram relíquias. Um creme de barbear, por exemplo, causava ao mesmo tempo espanto, reverência e uma certa coceira na boca, vontade de rir que vinha lá do fundo da garganta. Fazer a barba pra quê, meu Deus.

2 comentários:

Valéria Martins disse...

Querida Carla, nem me fale... Esse ano eu escrevi um livro como ghost e minha mãe ficou doente no meio, foi internada e quase morreu. E eu tinha que seguir com o livro... Lá pelas tantas, acharam que estava ruim e eu comecei tudo de novo... Final feliz: vai sair na próxima Bienal, em Setembro, e todos ficaram muito satisfeitos com o produto final.

Que bom saber que vc escreveu o livro do "Nós do Morro". Parabéns!

Carla Mühlhaus disse...

Oi Valéria

Não deixe de contar depois que livro é esse!
Depois de tanto sufoco é preciso fazer muita festa... a gente merece! :-)

bjs