(da série ioga para maiores)
Hoje senti minhas pernas querendo andar sozinhas, longe de mim, livres de mim. Desfeitas de mim. Senti descolarem das coxas feixes rebeldes de músculos. Foram passear, eles, os músculos. Junto com poeira velha e crenças grudentas. Uma dessas é aquela que acredita poder controlar todos os passos. É centralizadora, ela, a crença que puxa tudo pra si como se fosse responsável pelo mundo. Bobagem. Mal sabe ela que as pernas, todas elas, nossas e dos outros, andam sempre sozinhas, mesmo que a gente não veja um milímetro de movimento entre as articulações.
Controle temos apenas, e olhe lá, da inteireza do nosso corpo. Mas esse, ao se relacionar com outros corpos, perde o controle de todo o resto. Sobra então apenas a necessidade da atenção, do cuidado, da observação. Pouca gente sabe, mas ser iogue não é estar sempre num estado zen abobado. Ao contrário, é estar alerta. É estar conhecendo-se atentamente por dentro e, em conseqüência, lidando melhor com o que vem de fora.
É admirar as pernas fugirem e correrem sozinhas, por exemplo, libertas, felizes, indo em direção ao acaso e a tudo aquilo que não é controlável e que por isso mesmo, aqui e ali, é confundido com frustração. Alongar muito respirando bem fundo também é flexibilizar com coragem, indo simplesmente, para variar um pouco, em direção à vida e não a essa ou aquela meta. Porque a vida anda sempre pra frente e nunca olha pra trás.
Estrada é isso. Pernas bambas fugindo de nós.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Varejando

Acabei de colocar essa imagem linda no meu site e quis dividir com vocês também. Esse é o book do projeto O Grande Caldo, primeira exposição multimídia da artista plástica Adriana Varejão, a ser produzida pelo diretor Lula Buarque de Hollanda.
Fiz esse trabalho no final do ano passado, vocês cinco se lembram, e carrego ainda como sequela uma profundo espanto pelo universo dessa artista. Meu próximo projeto de viagem é Inhotim, em BH, onde reina um pavilhão só dela. Conto os dias.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
De como carregar um piano

(Métodos e modos de dobrar)
Como ninguém lê esse blog, continua difícil para algumas pessoas entender o que faço da vida. Profissionalmente, diga-se. Enquanto termino o livro do militar, já entrevisto uma vez por semana meu próximo personagem, dono de um restaurante italiano tradicional do Rio. Sim, chamo meus biografados de personagens. A ficção é feita de fatos muito objetivos. Também é fato concreto que me misturo com eles e empresto um pouco de mim às suas histórias enquanto levo pra casa seus aprendizados. Escrever, como entrevistar, é ato coletivo, é escambo do bom.
Mas isso é muito abstrato e subjetivo para alguns contratantes, meio aflitos com aquele processo de entrevistas que parece não ter foco nem objetivo. Eles precisam entender como aquilo pode um dia virar livro, e aí me vejo, sempre, como diria o militar (eu disse que a mistura acontece), numa situação “pastosa”. Perguntem para a linguística a origem dessa expressão. Eu não tenho a menor idéia e não tive muito espaço para perguntar. Esse biografado, o militar, ao contrário do dono de restaurante, é metódico e não gosta de sair do seu sumário pré-elaborado.
Nessa hora em que me perguntam sobre o meu processo criativo, provavelmente preocupados com o adiantamento já pago, tento explicar que primeiro deixo as entrevistas acontecerem meio livremente, com espaço para desvios, atalhos, retornos. É quando tento entender qual é a verdadeira intenção do personagem. Muita gente por aí quer escrever um livro, parece ser um rito de passagem como casar ou jogar o capelo pra cima, mas nem todos tem uma idéia muito exata do que o tal livro poderia dizer.
Então entro eu, escritora de aluguel mui suspeita, para desfiar o novelo. Costuma dar certo porque a entrevista, com seu setting quase psicanalítico, é sempre muito reveladora. A entrevista é como uma boa aluna: ela repassa a matéria, faz um resumo e acaba encontrando, naturalmente, as matérias que cairão na prova. É com um interlocutor que o personagem-autor se revela, descobrindo, na interação e no diálogo, o que realmente lhe importa.
É a partir daí que acaba o que era doce e eu, que até então curtia apenas o gravador ligado e a incrível singularidade dos seres humanos, começo a carregar o piano. Leio longos depoimentos, porque é melhor sobrar assunto do que faltar, ficho todos eles, organizo os temas, penso a estrutura do livro. Só então, depois de muito planejamento, canetas coloridas e post its indicando caminhos, é que boto a mão na massa e começo a escrever.
Mas vai explicar isso para um contratante desconfiado. E, verdade seja dita, entendo a insegurança. Eu, se me contratasse, também ficaria muito preocupada.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Rio 40 graus
Está tão quente que meus miolos derreteram. Deve ser por isso que ando meio esquecida de várias coisas, entre elas o que vem a ser ter um blog. Os meus neurônios gratinados também já não têm a menor idéia do que é escrever um post e deixam escapar uma leve baba do lado direito enquanto se esforçam para entender a coisa toda – sabem lá eles que coisa toda essa seria.
A única coisa (o vocabulário também anda escasso, então repitamos as palavras até que elas se embalem sozinhas como coisas de verdade, ah, as coisas de verdade) que eles sabem, entre um sorvete de manga e outro, é que precisam entregar um livro até abril para poderem começar outro. Mas eles também sabem, ou ao menos desconfiam, que o ar-condicionado do quarto pifou. Tudo bem que, ligando-se o do escritório ao lado no máximo, corre um arzinho gelado até o quarto, o que, se não segura totalmente a onda, evita que as solas dos pés sofram queimaduras ao pisarem no chão desprevenidas.
A turma da massinha quente suspeita ainda que mandar um projeto mui pessoal para a avaliação de um crítico é uma roubada imensa. A cada dia que passa a chaleira fica mais perigosa em suas ebulições. Pensa logo que nunca terá resposta ou que, se ela demora tanto, a resposta, é porque boa coisa não será.
Como se vê, o calor faz muito mal para a caixola, mesmo quando ela olha tudo de cabeça pra baixo na semi invertida iogue matinal. Amanhã vou tentar enfiá-la num baldo de gelo antes de respirar fundo, gritar há! e sair atrás de uma boa alma disponível para consertar ares-condicionados que sempre, ouçam bem, sem-pre nos deixarão na mão quando mais precisarmos. Há várias batalhas em que a máquina vence o homem. Espero que essa não seja uma delas.
A única coisa (o vocabulário também anda escasso, então repitamos as palavras até que elas se embalem sozinhas como coisas de verdade, ah, as coisas de verdade) que eles sabem, entre um sorvete de manga e outro, é que precisam entregar um livro até abril para poderem começar outro. Mas eles também sabem, ou ao menos desconfiam, que o ar-condicionado do quarto pifou. Tudo bem que, ligando-se o do escritório ao lado no máximo, corre um arzinho gelado até o quarto, o que, se não segura totalmente a onda, evita que as solas dos pés sofram queimaduras ao pisarem no chão desprevenidas.
A turma da massinha quente suspeita ainda que mandar um projeto mui pessoal para a avaliação de um crítico é uma roubada imensa. A cada dia que passa a chaleira fica mais perigosa em suas ebulições. Pensa logo que nunca terá resposta ou que, se ela demora tanto, a resposta, é porque boa coisa não será.
Como se vê, o calor faz muito mal para a caixola, mesmo quando ela olha tudo de cabeça pra baixo na semi invertida iogue matinal. Amanhã vou tentar enfiá-la num baldo de gelo antes de respirar fundo, gritar há! e sair atrás de uma boa alma disponível para consertar ares-condicionados que sempre, ouçam bem, sem-pre nos deixarão na mão quando mais precisarmos. Há várias batalhas em que a máquina vence o homem. Espero que essa não seja uma delas.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Escolhendo as palavras

Quando eu ainda era uma garotinha, em priscas eras (essa é a deixa, meninos, façam aquela cara de “imagina...”), também trabalhei na sucursal serrana do jornal O Dia. Em janeiro. Em Petrópolis. É claro que vieram as enchentes e eu, foca de 18 anos, me vi entrevistando gente que perdera, quando pouco, a casa e todos os bens. Era difícil ser repórter naquela época, não sei se hoje ainda é assim. Éramos recebidos nas comunidades como se tivéssemos culpa no cartório e aquela fosse a hora de indenizarmos todo mundo por tudo.
Descontado o stress natural causado por calamidades como a desse ano, também estava presente, entre as vítimas daquela enchente de 1993, uma compreensível revolta com o descaso das autoridades públicas.Na época apurei que já existia, de fato, tecnologia suficiente para prever enchentes e, caso necessário, recomendar a saída de moradores em áreas de risco. A medida não evitaria desabamentos, mas muitas vidas poderiam ser poupadas.
Não é preciso fazer contas para saber que se passou um bom tempo de lá pra cá e também não é requisitado diploma de jornalista para ver que, pelo visto, nada foi feito desde então para prevenir outras tragédias. Já li de meteorologistas que o desastre desse ano seria praticamente inevitável, já que combinou a violência das chuvas com áreas íngremes, instáveis e densamente povoadas. Mas não são exatamente assim as áreas de risco, gente? Será que realmente ninguém poderia ter se tocado disso antes?
Uma das poucas coisas que sei hoje, imantada aqui ao teclado, é que a tecnologia não pode ser omissa. Números e gráficos têm responsabilidades. O botão Enviar da caixa de emails também, assim como o botão Responder, Responder a Todos e, principalmente, o Encaminhar. Tão fácil, tão rápido. E tão omisso.
A solidariedade de todos nesse momento me emociona, mas, ao mesmo tempo, me faz torcer para que ela não disfarce a real responsabilidade das prefeituras e do Governo daqui pra frente. A sociedade civil pode e precisa ajudar, é claro, mas não deve tirar o foco de quem é pago para fazer exatamente o que ela está fazendo.
Nunca mais cobri enchentes, graças a Deus. Aquele estágio na Geral do Dia me traumatizou um bocadinho. Tratei logo de fazer os especiais de domingo, que os jornalistas então chamavam de features. Perfis e historinhas, em bom português de bobaginhas. Estava trocando a rudeza dos fatos pela das palavras, e aí, acreditem, já ia muito.
p.s. Quando estava prestes a postar, escutei os três primeiros trovões que sempre anunciam uma queda repentina de energia elétrica aqui no faroeste. Que São Pedro dê logo uma trégua.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Amy Whinehouse
Eu fui
Pouca gente sabe, mas quando eu ainda era uma garotinha (mentira, bobinhos, nunca deixei de ser) trabalhei durante três anos como repórter numa revista especializada em bebidas. Chamava-se Drink e era dirigida a bares e restaurantes. Escrevi sobre drinques mirabolantes, vinhos caríssimos, cervejarias, sobre o valor da nossa cachaça, sobre Baudelaire e seu vício por café. Também fui a muitas degustações promovidas por vinícolas e não me lembro o que escrevi depois. Sim, eu bebia em serviço. Eu e meu fígado aprendemos a valorizar não só o glamour das bebidas, suas histórias, seus costumes, como também seu poder agregador. A bebida alcoólica, hoje muito mais demonizada do que então, era o elemento de ligação social, o pretexto para confraternizações, o degrau acima que permitia soltar o verbo e, muitas vezes, falar um “eu te amo” que permaneceria preso na garganta sóbria.
Well, well. A fila anda e a lusitana roda. A revista faliu, eu pulei fora antes para não ver o barco afundar, mudei de tema, comecei um mestrado. De lá pra cá já se vão mais de dez anos. Percebi o peso de tal passagem de tempo nessa semana, vendo a Amy Whinehouse tropeçar pra lá e pra cá no palco, entre goles de um chá mui suspeito. Lembrei de um parente que, para disfarçar a bebedeira constante, tomava seu uisquinho numa xícara de café. A mãe dele achava muito estranho que, ao final do dia, depois de tanta cafeína, ele estivesse tão lerdo e tão grogue.
Lembrei de tudo isso enquanto assistia ao show e me deliciava com aquele vozeirão. Tive sentimentos muito contraditórios, o que é muito coerente com a vida afinal de contas. Primeiro me orgulhei de ser brasileira, de fazer parte de uma platéia tão calorosa e incentivadora. A mulher errava as letras, virava de costas, largava a banda sozinha e mesmo assim todo mundo estava lá, batendo palmas, urrando, dando a força que ela, como dependente química, teoricamente precisa.
Mas também senti uma ponta de angústia e tristeza vendo ao vivo e a cores aquela cena já prevista. Fiquei imaginando que show espetacular ela poderia fazer se estivesse sóbria ou, vá lá, só um pouco altinha. Seria um estouro e evitaria que ela mesma, letras fugindo de si, olhasse para cima com ar de irritação e desaponto.
Talvez o mundo esteja se tornando politicamente correto demais, daí as ovações a cada trago. É bom ter uma Amy por perto para fazer tudo aquilo que não podemos fazer e, o que é melhor, com um timbre de Billie Holiday.
Mas o show é de suas músicas ou de seu vício? Ou eu é que sou ingênua como uma garotinha de achar que podemos separar um do outro? Seu talento é inquestionável, tão poderoso que a atravessa mesmo que ela tente barrá-lo a todo custo. É isso a arte, afinal, entidade mais forte do que o próprio artista. Ok. Mas na terça, olhando do alto centenas de celulares fotografando aquele penteado alto e inseguro, formando um tapete voador de estrelas permissivas, fiquei me perguntando se não seria melhor que a mulher por trás da artista sobrevivesse para contar história.
É o que espero, ao menos. E sim, o show de terça valeu. Tivemos mais sorte do que o povo de segunda.
Pouca gente sabe, mas quando eu ainda era uma garotinha (mentira, bobinhos, nunca deixei de ser) trabalhei durante três anos como repórter numa revista especializada em bebidas. Chamava-se Drink e era dirigida a bares e restaurantes. Escrevi sobre drinques mirabolantes, vinhos caríssimos, cervejarias, sobre o valor da nossa cachaça, sobre Baudelaire e seu vício por café. Também fui a muitas degustações promovidas por vinícolas e não me lembro o que escrevi depois. Sim, eu bebia em serviço. Eu e meu fígado aprendemos a valorizar não só o glamour das bebidas, suas histórias, seus costumes, como também seu poder agregador. A bebida alcoólica, hoje muito mais demonizada do que então, era o elemento de ligação social, o pretexto para confraternizações, o degrau acima que permitia soltar o verbo e, muitas vezes, falar um “eu te amo” que permaneceria preso na garganta sóbria.
Well, well. A fila anda e a lusitana roda. A revista faliu, eu pulei fora antes para não ver o barco afundar, mudei de tema, comecei um mestrado. De lá pra cá já se vão mais de dez anos. Percebi o peso de tal passagem de tempo nessa semana, vendo a Amy Whinehouse tropeçar pra lá e pra cá no palco, entre goles de um chá mui suspeito. Lembrei de um parente que, para disfarçar a bebedeira constante, tomava seu uisquinho numa xícara de café. A mãe dele achava muito estranho que, ao final do dia, depois de tanta cafeína, ele estivesse tão lerdo e tão grogue.
Lembrei de tudo isso enquanto assistia ao show e me deliciava com aquele vozeirão. Tive sentimentos muito contraditórios, o que é muito coerente com a vida afinal de contas. Primeiro me orgulhei de ser brasileira, de fazer parte de uma platéia tão calorosa e incentivadora. A mulher errava as letras, virava de costas, largava a banda sozinha e mesmo assim todo mundo estava lá, batendo palmas, urrando, dando a força que ela, como dependente química, teoricamente precisa.
Mas também senti uma ponta de angústia e tristeza vendo ao vivo e a cores aquela cena já prevista. Fiquei imaginando que show espetacular ela poderia fazer se estivesse sóbria ou, vá lá, só um pouco altinha. Seria um estouro e evitaria que ela mesma, letras fugindo de si, olhasse para cima com ar de irritação e desaponto.
Talvez o mundo esteja se tornando politicamente correto demais, daí as ovações a cada trago. É bom ter uma Amy por perto para fazer tudo aquilo que não podemos fazer e, o que é melhor, com um timbre de Billie Holiday.
Mas o show é de suas músicas ou de seu vício? Ou eu é que sou ingênua como uma garotinha de achar que podemos separar um do outro? Seu talento é inquestionável, tão poderoso que a atravessa mesmo que ela tente barrá-lo a todo custo. É isso a arte, afinal, entidade mais forte do que o próprio artista. Ok. Mas na terça, olhando do alto centenas de celulares fotografando aquele penteado alto e inseguro, formando um tapete voador de estrelas permissivas, fiquei me perguntando se não seria melhor que a mulher por trás da artista sobrevivesse para contar história.
É o que espero, ao menos. E sim, o show de terça valeu. Tivemos mais sorte do que o povo de segunda.
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