sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Amy Whinehouse

Eu fui

Pouca gente sabe, mas quando eu ainda era uma garotinha (mentira, bobinhos, nunca deixei de ser) trabalhei durante três anos como repórter numa revista especializada em bebidas. Chamava-se Drink e era dirigida a bares e restaurantes. Escrevi sobre drinques mirabolantes, vinhos caríssimos, cervejarias, sobre o valor da nossa cachaça, sobre Baudelaire e seu vício por café. Também fui a muitas degustações promovidas por vinícolas e não me lembro o que escrevi depois. Sim, eu bebia em serviço. Eu e meu fígado aprendemos a valorizar não só o glamour das bebidas, suas histórias, seus costumes, como também seu poder agregador. A bebida alcoólica, hoje muito mais demonizada do que então, era o elemento de ligação social, o pretexto para confraternizações, o degrau acima que permitia soltar o verbo e, muitas vezes, falar um “eu te amo” que permaneceria preso na garganta sóbria.

Well, well. A fila anda e a lusitana roda. A revista faliu, eu pulei fora antes para não ver o barco afundar, mudei de tema, comecei um mestrado. De lá pra cá já se vão mais de dez anos. Percebi o peso de tal passagem de tempo nessa semana, vendo a Amy Whinehouse tropeçar pra lá e pra cá no palco, entre goles de um chá mui suspeito. Lembrei de um parente que, para disfarçar a bebedeira constante, tomava seu uisquinho numa xícara de café. A mãe dele achava muito estranho que, ao final do dia, depois de tanta cafeína, ele estivesse tão lerdo e tão grogue.

Lembrei de tudo isso enquanto assistia ao show e me deliciava com aquele vozeirão. Tive sentimentos muito contraditórios, o que é muito coerente com a vida afinal de contas. Primeiro me orgulhei de ser brasileira, de fazer parte de uma platéia tão calorosa e incentivadora. A mulher errava as letras, virava de costas, largava a banda sozinha e mesmo assim todo mundo estava lá, batendo palmas, urrando, dando a força que ela, como dependente química, teoricamente precisa.

Mas também senti uma ponta de angústia e tristeza vendo ao vivo e a cores aquela cena já prevista. Fiquei imaginando que show espetacular ela poderia fazer se estivesse sóbria ou, vá lá, só um pouco altinha. Seria um estouro e evitaria que ela mesma, letras fugindo de si, olhasse para cima com ar de irritação e desaponto.

Talvez o mundo esteja se tornando politicamente correto demais, daí as ovações a cada trago. É bom ter uma Amy por perto para fazer tudo aquilo que não podemos fazer e, o que é melhor, com um timbre de Billie Holiday.

Mas o show é de suas músicas ou de seu vício? Ou eu é que sou ingênua como uma garotinha de achar que podemos separar um do outro? Seu talento é inquestionável, tão poderoso que a atravessa mesmo que ela tente barrá-lo a todo custo. É isso a arte, afinal, entidade mais forte do que o próprio artista. Ok. Mas na terça, olhando do alto centenas de celulares fotografando aquele penteado alto e inseguro, formando um tapete voador de estrelas permissivas, fiquei me perguntando se não seria melhor que a mulher por trás da artista sobrevivesse para contar história.

É o que espero, ao menos. E sim, o show de terça valeu. Tivemos mais sorte do que o povo de segunda.

Um comentário:

Rafael Sperling disse...

Ah, eu não fui, espero que tenha sido divertido... faz tempo que não vou a shows muito grandes, desde o Rock In Rio. Fiquei meio traumatizado pela multidão, haha.
Bjs