domingo, 13 de fevereiro de 2011

De como carregar um piano


(Métodos e modos de dobrar)

Como ninguém lê esse blog, continua difícil para algumas pessoas entender o que faço da vida. Profissionalmente, diga-se. Enquanto termino o livro do militar, já entrevisto uma vez por semana meu próximo personagem, dono de um restaurante italiano tradicional do Rio. Sim, chamo meus biografados de personagens. A ficção é feita de fatos muito objetivos. Também é fato concreto que me misturo com eles e empresto um pouco de mim às suas histórias enquanto levo pra casa seus aprendizados. Escrever, como entrevistar, é ato coletivo, é escambo do bom.

Mas isso é muito abstrato e subjetivo para alguns contratantes, meio aflitos com aquele processo de entrevistas que parece não ter foco nem objetivo. Eles precisam entender como aquilo pode um dia virar livro, e aí me vejo, sempre, como diria o militar (eu disse que a mistura acontece), numa situação “pastosa”. Perguntem para a linguística a origem dessa expressão. Eu não tenho a menor idéia e não tive muito espaço para perguntar. Esse biografado, o militar, ao contrário do dono de restaurante, é metódico e não gosta de sair do seu sumário pré-elaborado.

Nessa hora em que me perguntam sobre o meu processo criativo, provavelmente preocupados com o adiantamento já pago, tento explicar que primeiro deixo as entrevistas acontecerem meio livremente, com espaço para desvios, atalhos, retornos. É quando tento entender qual é a verdadeira intenção do personagem. Muita gente por aí quer escrever um livro, parece ser um rito de passagem como casar ou jogar o capelo pra cima, mas nem todos tem uma idéia muito exata do que o tal livro poderia dizer.

Então entro eu, escritora de aluguel mui suspeita, para desfiar o novelo. Costuma dar certo porque a entrevista, com seu setting quase psicanalítico, é sempre muito reveladora. A entrevista é como uma boa aluna: ela repassa a matéria, faz um resumo e acaba encontrando, naturalmente, as matérias que cairão na prova. É com um interlocutor que o personagem-autor se revela, descobrindo, na interação e no diálogo, o que realmente lhe importa.

É a partir daí que acaba o que era doce e eu, que até então curtia apenas o gravador ligado e a incrível singularidade dos seres humanos, começo a carregar o piano. Leio longos depoimentos, porque é melhor sobrar assunto do que faltar, ficho todos eles, organizo os temas, penso a estrutura do livro. Só então, depois de muito planejamento, canetas coloridas e post its indicando caminhos, é que boto a mão na massa e começo a escrever.

Mas vai explicar isso para um contratante desconfiado. E, verdade seja dita, entendo a insegurança. Eu, se me contratasse, também ficaria muito preocupada.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não se preocupe,pessoas lêem sim,apenas não comentam...

Anônimo disse...

Andei sumida pq não é sempre que temos festas na família . Mas já voltei... Bj Célia

Ana Karina de Montreuil disse...

Nunca vou esuqecer quando te vi pela primeira vez.
Como assim ?
E não podia ter sido melhor rs
bjoos