sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A princesa limpinha

Queria uma faxineira de verdade, que entendesse os seus conceitos de limpeza. Conceitos de limpeza podem ser muito subjetivos. Queria que as formigas simplesmente desaparecessem do planeta. Queria lençóis cheirosos sempre, toalhas sequinhas, chão brilhando. Serviço de hotel cinco estrelas com charme de pousada, funcionários silenciosos e discretos, vida que funciona sem que você nem se dê conta.

Queria uma vida de princesa, com uma camareira para escolher seus vestidos e lavar seus cabelos. Melhor, queria não ter cabelos. Devia ser de uma liberdade orgástica não ter mais cabelos que ficam oleosos num piscar de olhos ainda irritados com o xampu. Viveria com chapéus ornamentados para os dias de festa e chapéus mais discretos e leves para o ordinário cotidiano. Se bem que se fosse uma princesa o ordinário não existiria. Seria uma sucessão de bandejas de prata com frutas frescas, água gelada com folhas de hortelã, biscoitinhos de canela no meio da tarde, café com broinhas de fubá a qualquer momento. Se bem que assim seria uma princesa gorda, e princesas gordas não existem.

Viveria saltitando entre as dezenas de cômodos do seu palácio, impressionando-se ao ver os rodapés sempre tão limpinhos, sem um átomo sequer de poeira. Então voltaria para o seu arejado quarto e fitaria suas almofadas a prova de ácaros. Sentiria uma coceira leve no nariz e teria vontade de espirrar, mas não o faria porque, afinal, os ácaros não estavam lá. O que lhe traria uma leve saudade de espirrar, breve nostalgia do movimento, espasmo que sacode o corpo inteiro, expelindo micróbios e invejas.

Nesse momento olharia para o seu vestido engomado e perceberia um leve desconforto no abdômen. Vontade de liberdade com dificuldade em traduzi-la. Correria para a varanda. O dia estaria lindo, sol e céu azul lavado, como nas aquarelas que aprendia a fazer nas manhãs de terças e quintas, mas por algum motivo que não o sabia, entristecia.

Sentia enrijecerem seus pés massageados há algumas horas. Um gelado cobria sua cabeça perfumada. Fechou os olhos. Sentia-se asséptica. Incapaz de produzir bactérias, fungos, germes patogênicos e outros bichos similares e invisíveis a olho nu. Abriu os olhos. Viu muitas flores, rosas e antúrios entre elas, mas não sentia-lhes os aromas. Olhou mais uma vez. Pessoas choravam ao seu redor. Velas acesas. Tentou esticar os braços. Não respondiam. Tentou gritar. Garganta muda. Então só lhe restou sentir a textura suave do cetim bege sobre o qual estava deitada. Estava limpo e cheirava a amaciante de lavanda. Finalmente encontrara a higiene perfeita.

2 comentários:

Quarto de Vestir disse...

Adorei!rsrs...

Anônimo disse...

Meu Deus!!! Mas adorei também !!!
Agora é que vi quem escreveu antes de mim, rsrsrs
Bjs