segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Oh!



Desde que adquiri uma redentora licença poética e não remunerada do jornalismo, me afastando das manchetes e mergulhando nos livros, venho lendo com alguma desconfiança os jornais de todo dia. Enquanto tomo café, sinto que as chamadas de capa me trapaceiam a vida, me levam lá pra baixo, bloqueiam meu senso crítico ou simplesmente me mordem para depois assoprarem onde ficou ardendo – geralmente no meio da nuca, onde há um pedágio para as idéias que querem subir em terceira marcha, forçando os pistões do motor.

Adoraria fazer a experiência de não ler mais os jornais como faço quando viajo, a cada ano bissexto, se é que ainda sei o que são essas duas coisas, viajar e ano bissexto. Mas no dia-a-dia mesmo, na labuta, não consigo deixar de sujar os dedos com um pouco de chumbo dos produtos jornalísticos. Mas agora, meus amores, acho que a coisa foi longe demais.

Há algum tempo venho recebendo em casa, como um suplemento do jornal O Globo, a revista Oh! . Assim mesmo, uma interjeição de surpresa, espanto, deslumbramento. A revista, com matérias sobre vinhos, carros alemães, viagens para ilhas do mar Mediterrâneo, é para gente rica. Ok, I get it. Mas na última edição, uma determinada matéria me saltou aos olhos e rebelou um pouco o estômago. Saquem o título: “Seu jato...do seu jeito”

Há há há, pensei, é uma piada. Boa, essa. Segui lendo e não encontrei nenhuma confirmação do chiste, nada que me permitisse organizar os pensamentos com uma gargalhada de alívio. “Cama gigante, banheiro com ducha, mobiliário chiquérrimo: fabricantes apostam na decoração para deixar aeronaves com a cara do dono”. Ahn?

Como assim, gente? A reportagem é mesmo sobre isso? É. E continua, num tom muito blasé, afirmando que o mercado brasileiro de jatos está aquecido e que os proprietários não querem apenas um modelo com velocidade e alcance: eles querem decoração personalizada, com poltronas de couro, carpetes de boa espessura e madeiras africanas. Detalhes em tom pérola no acabamento e assentos com impressão em baixo relevo também são muito pedidos, aprendi, enquanto me perguntava por que aquela revista estava nas minha mãos e não nas da Ivete Sangalo. Ora, deve ser porque as revistas que a Ivete lê são importadas, bobinha.

Olhei a ficha técnica: tiragem de 60 mil exemplares. Será possível que existam, no Brasil, um país com metade da população ainda sem tratamento de esgoto adequado, 60 mil pessoas ricas o suficiente para comprarem (e decorarem) um jatinho? Lembrei de uma amiga que, cansada de receber ligações de uma gerente de banco que lhe oferecia planos de investimento, mandou na lata: “Minha filha, você está perdendo tempo comigo. Eu nem poupança tenho!”.

Ah, mas isso não tem nada a ver, vocês vão dizer. Pobre não gosta de ver madame tomando café da manhã nas novelas? Não sei dizer. Fiquei muito confusa agora.

Entrei no site no IBGE. Queria saber como andam os rendimentos da população brasileira. Desisti depois de ver que teria que pagar R$ 50 para baixar uma pesquisa de orçamentos familiares. Deprimi. Eu não só não posso ter um jatinho como não posso ter acesso aos números de quem tem jatinhos.

Agora me digam: não seria melhor não ler os jornais?

Um comentário:

celia disse...

Será por isso que os jornais impressos estão acabando? E quanto a Ivete, ela já deve ter decorado o jatinho e o iate, bobinha...
Bjs
Celia