sexta-feira, 12 de março de 2010

Falar ou não falar, eis a questão

"O que é importante é ter a alma na ponta dos lábios e estar pronto para partir."
Sêneca

Vocês seis aí já sabem que tenho uma paixão irrefreável pela filosofia. Mesmo já sendo uma macaca quase velha (ainda tenho auto-estima, garotos), venho pensando até em fazer uma segunda graduação. Não há matéria-prima mais fértil para um escritor do que as cambalhotas de Descartes e os golpes precisos de Foucault, por exemplo, autor da frase limpa, sem borrões: “Toda literatura é uma dança para enganar a morte”.

Como Sherazade, o escritor está sempre adiando o the end, o gran finale, o ponto final. O blog mesmo, construído no cimento do presente, do agora.com, também parece querer adiar o definitivo, as frases resistentes à tecla delete. Espécie de protesto contra o texto póstumo. Nada de post scriptum, vivemos mais os prefácios, inchados de pensamentos instantâneos que rechaçam, velozmente, qualquer coisa que se pareça com uma verdade insistente – ou que seja maior do que o espaço de um post.

Foucault, pensador e epistemólogo francês contemporâneo, dedicou boa parte da sua vida a pensar a resistência. Uma ironia ele mesmo ter sido levado pela Aids, invencível batalha. Mas deu tempo de explicar: resistir é não ser indiferente. É ser um amontoado de carne, sim, mas não indiferente ao que se passa nela e ao redor dela. É experimentar e vivenciar o que a atravessa. Na sua filosofia, esse era o lugar em que aquele que fala faz com que o dito se remeta a ele próprio, dizendo e marcando de verdade o que ele é. Em que ele encontra algo, finalmente, que não é diferente dele mesmo.O que é bem outra coisa do que ficar respondendo, histericamente, às demandas de fulano e beltrano. Em outras palavras, não ser indiferente é ser franco e assumir os riscos de tal perigo.

Mas vivemos muito bem com as mentiras. A Parrecia, espécie de jogo da verdade que emerge na democracia antiga, passa pelo cristianismo e é suprimida pela modernidade, é muito perigosa. É onde não é mais possível se omitir, mesmo que isso signifique, depois, se anular. Ou ter a morte decretada pelo imperador, algo como “Gostei dos seus conselhos, meu caro, agora se mate. Dou-lhe uma semana”. O filósofo Sêneca, por exemplo, foi um dos poucos conselheiros que sobreviveram à Nero – fez isso pedindo para matar-se antes.
Mais de vinte séculos depois, ainda parecemos ter medo de imperadores.

Fato é que a franqueza liberta, mas depois manda a conta. No entanto é assim que surge a autoria, como um cuidado de si e formação de si mesmo, como uma maneira de se dar as próprias leis e constituir o que importa no próprio conhecimento. É falando sem medo que crescemos e aparecemos. Isso é sinceridade. Mas também pode ser, como disse uma das alunas do curso que estou fazendo, um “sincericídio”.

Escolham seus times.

Quem achou que hoje escrevi grego acertou. É grego mesmo, mas grego do bão. E pode ser encontrado nas aulas do prof. Henrique Antoum, no Polo de Pensamento Contemporâneo. Recomendo.

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