sexta-feira, 15 de outubro de 2010

De carne e osso

Quando conto o que faço da vida por alguns trocados, costumo colecionar olhares de surpresa e súbita, extrema, incontrolável, implacável curiosidade. “É mesmo? Você é ghostwriter? E como é o seu trabalho, como você faz? ”, perguntam, olhos estatelados em mim como se eu fosse a primeira astronauta da Nasa a ter pulado num pé só em Marte.

Pensei em fazer uma palestra. No primeiro minuto eu diria que odeio o termo ghostwriter. Não sou medium para receber espíritos e nem gostei tanto assim do filme Ghost – já a minha irmã diz ter medo de metrô até hoje por causa dele.

Não, queridos, declino o termo. Sou uma escritora freelancer, ponto. O que quer dizer que escrevo por encomenda, colocando no papel o que o meu contratante não conseguiria fazer por conta própria, ao menos não num formato editorial. A questão de ter crédito de texto, mostrando que existi de verdade no projeto e que o autor não psicografou o livro, portanto, é importante.

Há pouco tempo encomendei um móvel, por exemplo, e não tenho vergonha de dizer que paguei pelos serviços de um marceneiro. Ora, e eu odeio esse termo de livro de matemática também, se uma pessoa não tem a técnica de redação adequada ao seu projeto, ela também não deve ter vergonha de contratar um profissional.

É claro que todo mundo sabe escrever – ao menos quase todo mundo aqui na Bruzundanga, onde milhões, infelizmente, ainda são incapazes de escrever sequer um bilhete. Mas escrever profissionalmente é outra coisa, e não estou comparando qualidades. É só uma questão de adequação e estilo. Well, well, às vezes isso também quer dizer qualidade, vamos ser francos, mas esse não é o xis da questão.

A questão é que escrever por encomenda é estabelecer uma parceria e não uma alegoria fantasmagórica. Também é, em última análise, fazer uma profunda amizade com o autor, estabelecer intimidade e criar laços verdadeiros, porque só assim a confiança surge. E essa é melhor parte. Costumo me apaixonar pelos meus personagens e não desgrudo nunca mais, mesmo quando perdemos contato porque a fila anda e a vida muda.

Escrever é ato de amor suspeito, subjetivo e solidário. Isso é, pra mim, ser uma escritora freelancer. De outro jeito a coisa simplesmente não anda, e os fantasminhas eu deixo para a ficção de gaveta.

Mandem suas perguntas. Responderemos na próxima palestra.

Um comentário:

celia disse...

Você tem toda razão...bj