segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O gato e as cartas


Habilidoso e rápido com as mãos, o gato de Alice embaralhava cartas sem que suas unhas rasgassem valetes nem damas. Fazia acrobacias com os ases e as copas enquanto explicava como seria a fundação do seu castelo moderno.

– Vejam bem, vou fazer a estrutura em círculo, como uma arena, um pátio interno, um panóptico se preferirem. Como uma torre moderna, uma Pisa rarefeita. Céus, como vocês me fazem ser prolixo. Estão vendo? Já temos aqui a base.

O castelo redondo ia sendo construído numa velocidade sem precedentes.

– Viram só? Já temos o terceiro andar. Agora vou deixar espaço para janelas.

As cartas iam subindo, subindo, e pareciam misturar as histórias buscando um pé de feijão gigante nos céus. Todas se equilibravam com elegância, como se tivessem nascido para estarem, cada uma, no seu devido lugar.

– Agora mais torres. Eu sempre disse isso à Alice, mas aquela garota estressada estava sempre tão preocupada em aumentar ou diminuir de tamanho que não prestava a mínima atenção. Torres são fundamentais. Para poder enxergar longe.

O castelo já era maior do que o gato, que levitava distraidamente para continuar construindo novos andares numa rapidez sem precedentes antes dos precedentes. Em poucos segundos ele estava tão alto que, visto do chão, parecia pequeno como um gato de verdade.

– Não sei se vocês já repararam, mas eu posso continuar nisso indefinidamente. Ouviram? In-de-fi-ni-da-men-te! Vão ficar aí de boca aberta e me deixar sumir no céu com esse castelo? Ou querem que eu pare por aqui? Sim? Até que enfim!

O gato desceu do décimo andar como uma pluma, dançando pra lá e pra cá divertidamente até sentar no chão numa pose um tanto professoral. Esticou as patas, espreguiçou-se e disse:

– Eu sempre falei isso para a Alice, aquela garota teimosa, mas ela nunca me ouvia. A vida é como esse castelo de cartas. Pode ir sendo construída in-de-fi-ni-da-men-te, anotem aí, in-de-fi-ni-da-men-te, mas também pode, ops, cair num segundo!

Com a ponta da unha do seu indicador, fez um gesto de quem quer cortar a cabeça de alguém e derrubou a sua torre de dez andares e uma cobertura num só golpe. Gargalhava.

– Vocês precisavam ver as suas caras agora! Ó, vida, o castelo ruiu! Só faltam os beicinhos... não chorem, seu patetas. Ah, se a Alice me ouvisse. As torres caíram porque assim é um castelo de cartas! É como a vida. Constrói-se tudo em bases muito rarefeitas e, por isso, de vez em quando a casa cai. Mas é claro que cai! É feita de cartas! Já viram um quatro de ouros feito de cimento?

O gato se ajeita, respira fundo e sorri.

– Por isso digam a Alice e não esqueçam: o importante é conhecer as cartas, guardar os coringas, entender os naipes e as regras dos jogos. E jogar. Embaralhar. Jogar de novo. Embaralhar de novo. Trocar de jogo. Embaralhar. Dar as cartas. Apostar as fichas. Perder de novo. Embaralhar. Fazer o castelo. E, quando o castelo cair, começar tudo de novo.

Espreguiçou-se mais uma vez, deitou esparramado no chão e abriu um sorriso ainda maior.

– É tão divertido!

Nenhum comentário: