quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Boa noite e boa sorte

Era para eu ter tido vergonha de tentar de novo. E tive. E acho que foi justamente ela, a vergonha, que me fez conseguir ir até o fim dessa vez. Foi duro. Traumatizante. Algo que só vou gostar de contar para os meus netos, que provavelmente rirão de tal experiência bizarra da Idade Média. Já os filhos podem querer sair de casa ao sabê-la, portanto é mais seguro pular uma geração.

Como vocês já sabem, sofro de uma espécie de fadiga crônica que se intensifica a cada virada de ano. Não que eu não precise encomendar um guindaste todos os dias para ser arrastada da cama, mas é que nessa época a coisa fica muito feia. E é sempre nessa época, portanto, que tomo providências mais objetivas a respeito. Depois de fazer exames de sangue para eliminar a hipótese de anemia, fazer acupuntura, acender algumas velas e plantar meia bananeira (essa eu explico depois), encarei a última cartada: fazer uma polissonografia.

O nome parece inofensivo mas acreditem, o ritual é macabro. Dizem que você vai apenas dormir numa clínica e ter o seu sono monitorado, mas é mentira. A verdade é que você vai ser preparado e besuntado para ter seu cérebro picado em pedacinhos por extraterrestres canibais.

Da primeira vez que tentei ir até o fim, travesseiro e livro de cabeceira debaixo do braço, agüentei o suspense até ouvir do atendente muito habilitado os detalhes do exame. Quando ele saiu do quarto dizendo que voltaria em breve para me preparar, fui até o banheiro (tem câmera no quarto, bobinhos) e troquei de roupa. “Vamos lá?”, ele disse, entrando de novo no quarto. Vamos, respondi. Vamos para casa.

Daí o cansaço persistiu e bateu uma certa consciência pesada. Como eu poderia voltar ao médico de mãos abanando e falar, com carinha de coitada, que não conseguira fazer o exame? Não, senhores. Eu tinha uma obrigação moral com aquele desafio. Era agora ou nunca.

Quando cheguei na recepção, travesseiro e livro de cabeceira debaixo do braço de novo, fui recebida pelo mesmo atendente. Confesso que, apesar da vergonha, gostei de ver que era o mesmo cara. Exames como esses pedem uma certa cumplicidade, meninos. “E aí, dessa vez você vai ficar?”, perguntou. “Não sei, depende, talvez, vamos ver...”, respondi. Eu, hein, precisava deixar o caminho livre, gente!

Sentei numa poltrona, ele sacou um pente de cabeleireiro e, como tal, começou a separar mechas do meu cabelo. Entre elas colocou uma pasta gosmenta que até hoje não saiu direito, aplicou eletrodos e colou-os com uma substância que tinha tanto cheiro de éter que devia ser éter. Fiquei lá, meio grogue, e comecei a me divertir perguntando quais as cenas mais bisonhas que ele já havia presenciado por lá. Ri de várias histórias, soube que o meu caso era fichinha e, quando ele acabou e pude me olhar no espelho, não resisti. Ele precisava tirar uma foto.

Fiquei em pé esperando o clique mas ele dirigiu a cena muito melhor: “Deita na cama que vai ficar mais legal”, sugeriu, colocando ainda no meu dedo indicador esquerdo um aparelho que servia para registrar a minha oxigenação e também para me fazer brincar de E.T. phone home, porque ele fazia piscar uma luzinha vermelha. Sim, eu estava meio infantil. Devia ser porque ele me contara que, naquele dia, havia na clínica uma menina de nove anos. Entendi o recado. Se uma menina de nove anos podia fazer aquele exame, eu também podia.

Eu poderia postar a foto aqui, crianças, mas tenho medo de afugentar os meus seis fiéis leitores. Por favor não insistam.

A duras penas consegui dormir três ou quatro horas. É muito para quem está com quatro eletrodos na cabeça, um na testa, um no queixo, um no pescoço, uma faixa no tórax, uma no abdômen e mais dois eletrodos nas coxas. Ah, sim, e com um cabinho no nariz.

É claro que você acorda com dor de cabeça. É claro que você tem que apertar uma campainha para chamar o atendente antes de sequer pensar em levantar para ir ao banheiro, coisa que você faz apenas com uma mão, porque a outra está ocupada em segurar duas dezenas de fios ligados a uma caixa com outras dezenas de botões – nada dá choque, no entanto, fato que, uma vez avisado, me acalmou deveras.

É claro que nada, até hoje, me cansou tanto como esse exame. Nem fazer dois livros ao mesmo tempo é tão extenuante. Estou quase torcendo para ver algo de grave no resultado para que tenha valido a pena todo o drama.

O resultado sai na semana que vem. Se eu conseguir levantar até lá, conto pra vocês.

E Robson, onde quer que você esteja, muito obrigada!

Um comentário:

Flávia disse...

Oi Carla,
Estava lendo um comentário antigo seu no meu blog e vim parar aqui...
Parabéns pelo seu livro! Muito sucesso para vc! Eu sonho em um dia tb publicar um livro, mas tenho consciência que não escrevo bem o suficiente para isso.
De qualquer forma, ao ler esse post e ver a sua foto, fiquei intrigada com uma coisa: Você já fez exame (de sangue ou endoscopia com biópsia do Duodeno) para saber se vc tem a doença celíaca?
Eu tenho essa doença e foi muito difícil o meu diagnóstico pelo simples fato que ninguém pedia esses exames por acharem que é uma doença de criança. Os sintomas podem variar, mas veja esse site para maiores informações: http://www.riosemgluten.com/
Bjs,
Flávia.