segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Anônimos e brasileiros


Já me disseram os búzios que sou de Oxalá. Oxalá, me explicou um amigo que sabe tudo de candomblé, é o pai maior, que tem a energia da paz e da criação e está sempre em busca do respeito. É muito bom ser de Oxalá, diz ele. Mas, como tudo na vida, também tem sua desvantagem. É que Oxalá é meio lento, é do ar, da dinâmica rarefeita do devagar quase parando. Quando soube disso fiquei ainda mais baiana por dentro, meio chocha, pensando “pô, logo eu, ex-jornalista da ativa, cumpridora de prazos impossíveis?”. É, neguinha, você mesma.
Neste sábado tive a confirmação. Devo ser meio marcha lenta mesmo, ao menos em alguns níveis, ou naqueles mais importantes. Na verdade, como diria uma amiga minha, meu ritmo é praticamente o de um cágado em dia de sol. Talvez até Caymmi parecesse um estressado ao meu lado. Anteontem, ao ler o Prosa & Verso, tive a nítida sensação de ter perdido algum bonde enquanto dormia de olhos abertos, pensando na morte da bezerra (ninguém até hoje me disse do que ela morreu, gente), sonhando acordada no mundo da lua. Estava lá, no subtítulo: “O teórico francês Philippe Lejeune fala sobre a associação criada para ler e comentar autobiografias de gente comum”.
Peraí, essa idéia era minha! Ô meu deus, que desânimo, velho, que preguiça. O que posso fazer se tiveram as minhas boas idéias antes de mim?
Depois que lancei o livro da Ana, fiquei muito impressionada com a quantidade de pessoas que me procuraram querendo contar suas histórias. Eram histórias de gente comum, e é impressionante como elas podem ser mais interessantes do que a ficção. Algumas mais outras menos, é claro, mas tem sempre um fio que pode ser puxado, sempre uma esperança de publicação. Sem querer desperdiçar tais histórias, pensei em criar para a minha editora o projeto de um selo baseado exatamente nisso, em histórias de gente comum, de anônimos que tinham muito a dizer e a ensinar. O nome do selo seria algo como Anônimos ou mesmo Histórias de gente comum, e poderia ser organizado por temas como Drogas, Amor, Superação etc. Devo ter pensando nisso por alguns dias e depois bateu aquela dúvida, aquela insegurança, aquele “será que é bom isso?”, e acabei deixando pra lá. Em defesa de Oxalá, também é verdade que deixei o assunto de lado porque me envolvi em outros trabalhos e coloquei então a idéia na gaveta, à espera de uma brecha.
Mas agora vejo que o erro, ou o descuido, foi ter pensado nessa idéia comercialmente. A sacada do francês é não só muito mais coerente como mais proveitosa: a Associação pela Autobiografia e pela Preservação do Patrimônio Autobiográfico (APA), instituição fundada na cidade de Amberieu-em-Bugey em 1992, tem a linda missão de receber, ler, comentar e preservar todo e qualquer escrito autobiográfico que lhe seja encaminhado. Entre cartas, diários e narrativas, recebem cerca de 180 textos por ano. A idéia foi inspirada numa localidade italiana que se autonomeou Cidade do Diário. Anualmente é promovido por lá um concurso nacional de escritas autobiográficas, o que engorda o acervo que já conta com mais de cinco mil itens. Quando conheceu a cidade, o professor Lejeune, então já autor de O Pacto Autobiográfico (traduzido pela UFMG), ouviu o clique e decidiu levar a idéia para a França.
De certa forma, ainda sem saber bem como, é o que o instituto Reciclando Mentes vem ensaiando fazer nos trópicos. Já falei sobre ele aqui e quem quiser conhecer o trabalho baseado em terapia narrativa pode acessar o site ou ler o post Reciclando.
Mas saber que escrevi um projeto para a instituição não me faz perder a sensação de que preciso, ai ai, recuperar o tempo perdido. Imaginem a quantidade de narrativas incríveis que não estão por aí escondidas, nas favelas, nos subúrbios ou nas varandas da zona sul, nas casas quietas de idosos imigrantes, nas ruas. O diários não escritos do Brasil dariam um belo compêndio da história latino americana.
Então, crianças, para retomar o pique, estalar os dedos, arregaçar as mangas e enxotar o pai maior marcha lenta, convido todos a me mandarem cartas, diários, pequenos textos autobiográficos, argumentos, sinopses baseadas em histórias reais, o diabo. O meu compromisso será recolher e organizar todo o material e trabalhar, junto ao Reciclando Mentes, numa compilação de vida e forma brasileiras.
Falo sério. Abram as gavetas. Quem estiver interessado que se manifeste, sou toda ouvidos.

Um comentário:

Uma mãe em apuros! disse...

Adorei seu blog e já até linkei. Vou escrever algo sobre mim e te mando, vai que vc acha interessante..
Bju