quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Reciclando

O Carnaval acabou, não?
Ou será que eu deveria esperar até segunda para postar alguma coisa?

Um dos trabalhos que tenho feito ultimamente é uma consultoria de texto para o Reciclando Mentes, instituto calcado em práticas narrativas e interessado em contribuir na formação das cabeças pensantes de ongs, grupos de mediação de conflitos e profissionais da área de saúde. A prática narrativa produz efeitos terapêuticos mesmo quando experimentada fora dos consultórios. A idéia, que de certa forma desafia as abordagens patologizantes, é levar em conta o relato das pessoas e a sua própria capacidade de resolver seus problemas. Em última análise, é aceitar que elas realmente existem. E como somos seres constituídos na linguagem e vivemos em sistemas de redes e pessoas (e, consequentemente, em sistemas de narrativas), o caminho da mudança, da reautoria, passa pelo simples ato de contar ou recontar sua história de vida. Vide a bela menina, por exemplo.
Para divulgar o instituto recém criado e conquistar parcerias, pensou-se em criar filminhos em animação gráfica, que pudessem ser exibidos em salas de cinema, por exemplo. O desafio é promover reflexão, chacoalhar o público e, com isso, marcar a mensagem de que as idéias também podem ser recicladas.
Como é um desafio difícil, principalmente para quem não é roteirista (ter marido roteirista não vale), venho fazendo algumas tentativas, até que alguma delas emplaque. A primeira não emplacou e, por isso, para não sentir que meu trabalho ficou de fora da coleta seletiva, publico aqui para vocês seis. Blog é a melhor diversão, cambada!

Um carro para no sinal. É um carro esportivo, turbinado, com faróis personalizados que colorem de azul néon a faixa de pedestres. No volante está um homem forte, “sarado” e tatuado. Na carona uma loura do tipo “pittgirl”. O vidro está fechado mas mesmo assim ouve-se a música alta tocada dentro do veículo.
O semáforo começa a rir baixinho, olhando para o motorista. Ele, o semáforo, se abaixa e olha pela janela do carro.
“Vai ficar aí parado, garotão?”
O motorista se mexe na poltrona, desconfortável, e olha para o sinal vermelho.
“Ó o cara, aí, todo travado! Tá com medo de quê, boneca? Vai esperar até quando?”
O motorista acelera sem sair do lugar, mexendo o carro apenas um pouquinho pra frente.
“Ui, ui, ui, olha como ele é corajoso! Andou dois centímetros! A princesa aí do lado deve estar até suspirando!”. O semáforo cai na gargalhada.
O motorista, nervoso, avança finalmente o sinal vermelho, cantando pneu.

O semáforo parece ser de novo apenas um semáforo por alguns segundos.

O carro que avançou o sinal bate em um veículo que acabara de atravessar um cruzamento. Os dois rodam na pista.

O semáforo ri muito, divertido. “Eu não falei? Não tem erro! É tiro e queda!”, ele gargalha, olhando para a faixa de pedestres.

Uma das listras brancas da faixa se levanta, rindo e levantando o braço. “Agora é a minha vez!”

Fade out.

Legenda final:

Se o sinal vermelho incomoda, experimente ficar em casa.


p.s. 1 Alô, produtores de Bollywood, alguém se interessa?
p.s. 2 Não sei se vocês repararam, mas ontem, na novela, o Lima Duarte (Shankar, acho) contou para o Marcio Garcia (o nome do personagem dele não saberia escrever, talvez Balram, que é o nome do Tigre Branco e pode ter a pronúncia usada na novela) a passagem do Arjuna, que reproduzi dois posts aí abaixo, com mais detalhes. Portanto a Gloria Perez não só leu Theroux e Adiga, mas também anda folheando o Mahabharata. Alô, TV Globo, alguém aí quer um assistente de pesquisa?

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