terça-feira, 19 de maio de 2009

Fora de si

O jornalista e escritor José Castello é um dos entrevistados do meu livro Por trás da Entrevista. Isso ele sabe. O que ele não sabe é que também é meu mestre. Leio as colunas semanais dele no Prosa & Verso como quem saboreia palavras de um guru. Leio atenta e guardo tudo o que o meu limitado material cinzento permite. Ou seja, muito pouco. Mas há ensinamentos inesquecíveis, como o de sábado passado. A citação era de uma “idéia feroz” de João Cabral de Melo Neto: “Escrever é estar no extremo de si”. E agora é Castello falando: “Nessa última fronteira, em que o Eu desvanece, o escritor pisa a parte mais inóspita de si mesmo – aquela em que se transforma em outro. Literatura não é confissão, é invenção.”
Fim da aula. Lembro da reação dos meus pais ao lerem o que vocês seis vão começar a ler agora: “É muito estranho pensar que foi você quem escreveu isso”, disseram, em uníssono. Fiquei imediatamente feliz com a declaração, sim, de papi e mami – ou vocês acham que eu ia mostrar o texto para mais alguém? Naquela época eu ainda era sã, crianças.
O fato é que escrever é mesmo isso. Quanto menos você se reconhecer no texto, melhor. Sinal de que o ego deu um tempo e abriu espaço para o que realmente interessa, que é a tal da literatura. Bom, não sei se posso chamar o Romance Inacabado de Gaveta de literatura. Provavelmente não, mas vá lá. Ao menos é um voleio, um gingar de corpo, um reboladinho. Molecas letrinhas urrando funduras.
E como já disse, aceito qualquer trocado. Afinal de contas eu podia estar roubando textos alheios, podia estar assaltando críticos, podia estar matando, mas estou aqui, trabalhando honestamente, oferecendo a alma e pedindo um minuto de sua atenção.
Poupem o motorista. A culpa toda é do trocador.

I

O que dava mais nojo nem era a saliva que jorrava na minha cara, era a língua rebolante, histérica, que não parava de se enrolar e mais parecia um bicho de tanta força que tinha. Uma minhoca rebelde, vamos dizer assim. Tirei forças sei lá de onde e arranquei um pedaço da minha blusa. Enrolei o pano em dois dedos da mão direita, dobrei e enfiei lá, naquela boca louca. Acho que consegui segurar a língua imensa, porque ao menos ele parou de revirar os olhos. A ambulância, porra, cadê essa ambulância? Nos seriados que via na Warner tudo acontecia bem mais rápido nestas emergências. E o dedo lá, na bocarra. Medo de ser mordida e perder a mão. Solta ele, berrou um cara que se disse médico, me empurrando. Aí foi patético. Fui empurrada para o lado mas como não consegui tirar a mão de dentro da caverna babada, tombei e fiquei presa ao corpo do epiléptico exausto. Vem cá, esse macaco aí é médico? Chama outro, gritei. Ele começou a fazer força para soltar a minha mão, mas aquela língua parecia mais uma algema. Inacreditável, fiquei pensando, e olha que nem tinha percebido ainda que, por causa do rasgão na blusa, meu peito todo estava aparecendo. Maravilha. Pior só escutar de algum imbecil que o pobre coitado da língua insana precisava era levar um choque.

Continua (se vocês seis quiserem)

3 comentários:

Anônimo disse...

Deixa de ser modesta cara-palida!
É claro que nós seis(?!?!) queremos ler, sempre.Bjus
Andrea

Valéria Martins disse...

Claro que continua!

Me fez lembrar duas coisas:

1) Uma menina que eu ajudei a tirar do mar. Ela estava tendo um ataque epilético e ia morrer afogada. Um senhor percebeu e a segurou, mas ele não tinha força. Eu vinha caminhando pela beira d´água, vi a cena e corri para ajudar. Era verão, praia lotada, sol de 40 graus na cabeça. Um susto!

2) Um cara com quem fiquei que beijava com a ponta da língua (no início, achava que vc estava descrevendo um beijo desajeitado). Esse cara era o contrário, a língua tímida, hahaha! Sem chance.

Beijos!

Anônimo disse...

Pisco os olhos e já encontro novidades.
Continua, continua...
Celia