domingo, 27 de junho de 2010

O Brasil é nosso


O Dunga pediu desculpas, o técnico da Alemanha enfiou o dedão no nariz, a Argentina venceu do México, o mundo gira e a lusitana roda e, enquanto isso, a gente tenta trabalhar. Leio A invenção militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, antigo companheiro de pesquisas. Conheci seu trabalho lendo a História da Imprensa no Brasil e devo a esse livro boa parte da fundamentação da minha dissertação de mestrado.

Dez anos depois, maridão fez o imenso favor de topar com esse livro sobre o exército. Em tempo, caso haja alguém de fora do círculo dos seis fiéis leitores estranhando a área de interesse: o livro que estou escrevendo é sobre a história de um militar. Mais precisamente um oficial formado na Aman, a Academia Militar das Agulhas Negras. A obra não poderia ter chegado em melhor hora.

Além de lançar um lúcido e embasado olhar sobre fases negras como a campanha de Canudos, a Intentona Comunista e, é claro, o golpe de 1964, Sodré também chama a atenção para vários momentos da história do Brasil em que os militares estiveram ao lado do povo (campanhas da Abolição e da República, por exemplo) e de manifestações progressistas e democráticas como a campanha O Petróleo é Nosso.Em todos os casos, lembra que a história dos militares jamais pode ser vista um naco isolado do processo político brasileiro, de todo o bolo de imperialismo e latifúndio de que é feito o nosso país. Uma lufada de esclarecimento numa seara tão contaminada de preconceitos pós-traumáticos.

Outra vantagem de ler Sodré, autor da Velha Guarda, é reciclar o vocabulário: contubérnia, infrene, tíbio, guante, lêmures, madorna, pretoriano, aprisco e janízaro foram apenas algumas das palavrinhas que correram para matar as saudades do Aurélio, sempre em alerta na tela do computador. O que faz lembrar que a gente que é mui jovem, jovenzinha mesmo apesar das ruguinhas de trinta que começam a aparecer, não sabe é de nada.

Boa sorte pra nós amanhã, cambada.

domingo, 20 de junho de 2010

Assim não vale

Eu não sei o que rolou entre o Dunga e o repórter Alex Escobar, da TV Globo. Mas sei que falei cedo demais. Depois de abrir os trabalhos da Copa aqui criticando a imprensa pela implicância com a seleção, capitulei. O comportamento de Dunga hoje na coletiva depois da bela vitória contra os brutamontes da Costa do Marfim mudou o meu placar. Não acredito mais na chave Seleção X Jornalismo. O jogo ali está mais para Dunga versus a pura e simples educação. Uma canelada nos bons modos.Tsc tsc.

sábado, 19 de junho de 2010

Ontem o mundo perdeu algumas vírgulas. O que é triste porque os pontos finais podem ser muito perigosos.

Longa vida a Saramago.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Boa sorte, Brasil


Ok, vocês venceram, vamos falar de Copa.

Em toda Copa é a mesma coisa. Quando começam a se agitar as bandeirolas verdes e amarelas no estilo festa junina, decorando ambientes até então alheios ao futebol, acho um saco. Tenho uma sensação de deprimida rabugenta do tipo “ai, lá vem isso tudo de novo”, como quem reclama que nossa, o natal já está aí – outro comentário cíclico e unânime dos mais irritantes, diga-se. Depois continuo achando um saco, e acho um saco até os quarenta e cinco do segundo tempo, ou seja, no dia do primeiro jogo. É nesse momento que algum espírito leve e patriótico sussurra gentilmente em meus ouvidos algo como “se não pode contra eles, meu bem, una-se a eles...”. Então sento para ver o jogo, ainda sem palhaçadas decorativas como balões, unhas pintadas nas cores da bandeira ou qualquer outra coisa que lembre a fantasia de um torcedor que é muito bonita de ver na televisão, imagem que dignifica e dá sentido ao estádio, mas dentro de casa, convenhamos, é meio patética. Ui, desculpem o mau humor, crianças.

Depois que vejo o primeiro jogo, no entanto, sou tomada de um discreto e silencioso amor à pátria. E então transfiro a minha rabugice ao jornalismo esportivo. Fico com vontade de engrossar o twitter com o Cala boca, Galvão mesmo sem nunca ter entrado em um desses microblogs, e me descabelo com a cobertura coalhada de críticas, essas sim, muito mais recalcadas do que a minha ensimesmada resistência à pura alegria alheia.

Leio a manchete do jornal O Globo no dia seguinte e vejo nitidamente um novo jogo nas rodadas: Jornalistas X Seleção brasileira. Fico me perguntando por que jogar contra. Ok, o jogo foi meio insosso. Era o primeiro da Copa, e estavam todos esquentando os tambores. Mas fazer um título acintoso daquele, que só serve para comprar briga, me parece pura incapacidade de encontrar assunto. Se o Dunga quis manter os treinos em segredo, deve ter sido porque já estava de saco cheio de repórteres sedentos para arrumar algum troço qualquer de errado na seleção. Certo ele. E o que os jornalistas queriam, nesse primeiro jogo, para compensar o mistério de antes? Fogos de artifício? Passes de mágica? Coreografias rebolativas?

Sabe-se lá. Seja o que for que eles busquem para preencher o branco das suas telas de computador, um placar de vitória jamais será suficiente.

p.s. Eu não vi o jogo, mas fiquei triste de saber que os Bafanas Bafanas perderam para o Uruguai. Adorei o jeito deles de entrar em campo, cantando com um ritmo e um decibel que só os africanos têm. De arrepiar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

É isso aí

Em que ponto nos encontramos agora?

EKSTERMAN: Estamos emergindo do grande silêncio, embora ainda intoxicados pelas futilidades dos sentidos e pela afirmação do egoísmo, manipulados pelo mercantilismo que reduziu todos os valores aos valores do mercado. O ser humano deixou de conjugar o verbo ser para conjugar apenas o verbo ter.”

Ler numa despretensiosa manhã de sábado palavras tão corajosamente esclarecidas como essas é algo que me acalenta. Principalmente sabendo que elas estavam em pleno caderno Ela, criando ironicamente uma espécie de clareira do bom senso, espasmo de visibilidade na cegueira geral dos modismos consumistas.

O entrevistado, Abram Eksterman, psiquiatra e psicanalista, é autor de Interlúdios em Veneza – os diálogos quase impossíveis entre Freud e Thomas Mann (Editora Rubio). As conversas do livro, testemunhadas por um casal apaixonado, são fictícias: o psicanalista e o escritor encontraram-se apenas uma vez em suas vidas. Mas as reflexões que surgem delas parecem ser pra lá de reais. A matéria é de Bety Orsini e a entrevista pode ser lida na íntegra em oglobo.com.br/rio/bairros/bety

Vida longa ao Ela.