terça-feira, 20 de abril de 2010

No meu ou no seu café?



O meu marido, que é roteirista, só escreve em cafés. Eu, acostumada a ficar enfiada no escritório com os meus cansados e solitários miolos, achava isso muito estranho. Como alguém pode se concentrar em meio a tanta conversa alheia, gente? Pois às vezes são justamente as conversas alheias, me explicou o roteirista em questão, que salvam o vácuo de algum diálogo ou o furo de algum perfil de personagem. Bem diz o documentarista Eduardo Coutinho: a vida real é bem mais interessante do que a ficção.

Depois que passou a estranheza ao hábito, comecei a achar muito charmoso escrever em café. Muito parisiense isso, muito Baudelaire. Tentei algumas vezes, mas o problema é que meus dedos, imantados já ao teclado, esqueceram como é que se escreve à mão e me apresentam garranchos sofridos e na maioria das vezes indecifráveis. Pensei então em comprar um netbook, daqueles pequenininhos, só para escrever de vez em quando em companhia. É claro que depois de ver os preços desses brinquedinhos desisti e voltei para a toca da loba.

Até que finalmente descobri o que posso fazer, e muito, nos cafés. Posso ler longos depoimentos. Looongos. Posso fichá-los entre um expresso e outro e assim evitar o sono e as cabeçadas que às vezes acontecem quando as páginas estão lá no escritório, quietinhas, soprando suavemente nos meus ouvidos: “Isso dá um sooono...”

Ahá! Agora também sou chique, cambada. Leio muito em cafés. Não consigo fazer isso o dia inteiro porque as costas reclamam mas já dá para mandar os neurônios circularem um cadinho. E aqui lembro da minha dissertação de mestrado que, em determinado momento, ao refletir sobre a autoria, resgata a figura do ator público, muito bem definida por Sennett. Aí vai de brinde pra vocês:

“Na medida em que domina uma multidão de espectadores silenciosos, o ator público, lembra Sennett, é enganosamente uma figura simples:

‘Os espectadores silenciosos precisavam ver no ator público certos traços de sua personalidade, quer ele a possuísse, quer não. Fantasiosamente investiam nele aquilo que na realidade poderia lhe faltar. (...) a imagem da dominação sugere que sem o ator não pode haver espectador. Mas o observador silencioso permanece no público, mesmo quando não há qualquer personalidade sobre a qual se concentrar. As necessidades projetadas no ator se transmutam então: os espectadores se tornam voyeurs. Movimentam-se em silêncio, na proteção que os isola uns dos outros, desafogando-se através da fantasia e do devaneio, observando a vida passar pelas ruas. As pinturas de Degas sobre a pessoa silenciosa e sozinha num café apreendem a qualidade da sua vida. E aqui se encontra em germe a cena moderna da visibilidade em público, apesar do isolamento interpessoal’”


That´s all folks. O feriado está chegando e os cafés andam muito convidativos. Carreguem seus livros.

Um comentário:

ana karina disse...

ber em que cafe a senhora anda enfiada rsrsrsrsrs
Ok ja que vc fura a batata ,pode ser um cafe mas tem q ser bem rapido pq nao se pode fumar nesses lugares
Ate Paris ja foi melhor rsrsrsrsrsrs