quarta-feira, 10 de setembro de 2014


Cascos

Os cascos foram se descolando em blocos.
Primeiro foi o do pulmão.
A crosta grossa tinha cheiro de mofo, cigarro e bombinha de asma.
Depois peguei um craquelado de costela. Não estava quebrada, mas doía.
Quando chegou perto do coração a casca toda amoleceu, úmida quente brilhante pegajosa.
Não senti nojo não, achei até bonito. De lá dava para ver o pulmão agora descascado, parecia transparente meio azul.
Tinha uma luz nisso tudo, um traço, um folguedo de raio solar, algo assim que ilumina e dá calor.
Os cascos, pesados, iam assim se descolando. Quando um soltava do outro eu escutava o estalo.
Só depois de muito tempo é que me senti casco inteira, feita só deles, mais nada.
Aé pensei melhor se queria quebrar um a um.

Essa poesia escrevi em 2004, pouco antes de saber que a minha mãe estava com câncer no pulmão. Hoje ela está curada e a minha intuição poética também.

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