sexta-feira, 20 de abril de 2012

A vaca revelada

Nem só de barrigão vive esse blog. Aos 45 do segundo tempo, quase com um pé na maternidade, ainda deu para fazer um trabalhinho. E justamente para a filha da minha primeira biografada, Marilia Carneiro. Beatriz Carneiro é artista plástica e uma das pessoas mais interessantes que já conheci. Graças a esse trabalho, no qual escrevi sua biografia resumida para um dossiê, conheci um mundo à parte. Um mundo onde desejos como ver um açougueiro tirar a pele de uma vaca fazem todo sentido. É o que eu já havia aprendido estudando Foucault: na subjetivação, os investimentos são brutos e aparentemente inexplicáveis.

Sim, porque parece estranho tal desejo, não? Mas talvez só uma artista de formação robusta, tradicional e européia, com 15 anos de experiência na Suíça, tenha background suficiente para chegar nesse ponto, que é aquele em que validamos nossos impulsos sem medo, sem retrancas, sem preconceitos e, principalmente, sem saber bem o porquê. Sem ela soubesse, isso não seria bem arte.

Ou alguém explica racionalmente um poema? A vaca revelada, escrito por ela seis anos depois de ter sido recebida num matadouro na Suíça para ter seu pedido atendido, por exemplo, explica apenas o mundo interno e visceral da vaca que, segundo Beatriz, é o mesmo habitado por nós, numa espécie de coincidência fractal. Dentro da cápsula que protegia os órgãos do animal estavam “espaços microcósmicos / formas vegetais / ensangüentadas plantas marítimas / algas-tripas / estômagos-medusas / veias / pedras-vísceras”. É essa descoberta, exclusiva do seu olhar, o que define a arte. Arte é perspectiva, é ver aquilo que os outros não vêem. Ponto de vista é o que provoca mudanças, e perceber é desejar.

É nesse rescaldo, amparado pela Haute Ecole d’Art et Design Geneve, em Genebra, onde se formou, que Beatriz constrói seu mundo de peles curtidas e bolos de asfalto, subvertendo as formas e seus conteúdos, misturando técnicas antigas com novas e fazendo um passeio tátil pela arte, conduzindo idéias das mãos para os olhos. Minimalista, transita entre a escultura, a pintura, a palavra, a fotografia, o vídeo. Bom demais. Se eu pudesse, só fazia trabalhos desse tipo, que fazem valer cada tecla. Vão me entender melhor aqueles que visitarem o site do seu ateliê. Boa viagem.


Alice me espera. Uma arte diferente começa na minha vida.

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