Eu fui
Pouca gente sabe, mas quando eu ainda era uma garotinha (mentira, bobinhos, nunca deixei de ser) trabalhei durante três anos como repórter numa revista especializada em bebidas. Chamava-se Drink e era dirigida a bares e restaurantes. Escrevi sobre drinques mirabolantes, vinhos caríssimos, cervejarias, sobre o valor da nossa cachaça, sobre Baudelaire e seu vício por café. Também fui a muitas degustações promovidas por vinícolas e não me lembro o que escrevi depois. Sim, eu bebia em serviço. Eu e meu fígado aprendemos a valorizar não só o glamour das bebidas, suas histórias, seus costumes, como também seu poder agregador. A bebida alcoólica, hoje muito mais demonizada do que então, era o elemento de ligação social, o pretexto para confraternizações, o degrau acima que permitia soltar o verbo e, muitas vezes, falar um “eu te amo” que permaneceria preso na garganta sóbria.
Well, well. A fila anda e a lusitana roda. A revista faliu, eu pulei fora antes para não ver o barco afundar, mudei de tema, comecei um mestrado. De lá pra cá já se vão mais de dez anos. Percebi o peso de tal passagem de tempo nessa semana, vendo a Amy Whinehouse tropeçar pra lá e pra cá no palco, entre goles de um chá mui suspeito. Lembrei de um parente que, para disfarçar a bebedeira constante, tomava seu uisquinho numa xícara de café. A mãe dele achava muito estranho que, ao final do dia, depois de tanta cafeína, ele estivesse tão lerdo e tão grogue.
Lembrei de tudo isso enquanto assistia ao show e me deliciava com aquele vozeirão. Tive sentimentos muito contraditórios, o que é muito coerente com a vida afinal de contas. Primeiro me orgulhei de ser brasileira, de fazer parte de uma platéia tão calorosa e incentivadora. A mulher errava as letras, virava de costas, largava a banda sozinha e mesmo assim todo mundo estava lá, batendo palmas, urrando, dando a força que ela, como dependente química, teoricamente precisa.
Mas também senti uma ponta de angústia e tristeza vendo ao vivo e a cores aquela cena já prevista. Fiquei imaginando que show espetacular ela poderia fazer se estivesse sóbria ou, vá lá, só um pouco altinha. Seria um estouro e evitaria que ela mesma, letras fugindo de si, olhasse para cima com ar de irritação e desaponto.
Talvez o mundo esteja se tornando politicamente correto demais, daí as ovações a cada trago. É bom ter uma Amy por perto para fazer tudo aquilo que não podemos fazer e, o que é melhor, com um timbre de Billie Holiday.
Mas o show é de suas músicas ou de seu vício? Ou eu é que sou ingênua como uma garotinha de achar que podemos separar um do outro? Seu talento é inquestionável, tão poderoso que a atravessa mesmo que ela tente barrá-lo a todo custo. É isso a arte, afinal, entidade mais forte do que o próprio artista. Ok. Mas na terça, olhando do alto centenas de celulares fotografando aquele penteado alto e inseguro, formando um tapete voador de estrelas permissivas, fiquei me perguntando se não seria melhor que a mulher por trás da artista sobrevivesse para contar história.
É o que espero, ao menos. E sim, o show de terça valeu. Tivemos mais sorte do que o povo de segunda.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
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Um comentário:
Ah, eu não fui, espero que tenha sido divertido... faz tempo que não vou a shows muito grandes, desde o Rock In Rio. Fiquei meio traumatizado pela multidão, haha.
Bjs
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